sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Impeachment de Collor faz 20 anos; relembre fatos que levaram à queda

Há 20 anos, o 1º presidente eleito após o fim do regime militar perdia cargo. Em 29 de setembro de 92, Câmara aprovou seu afastamento.

G1

Um dos principais fatos políticos na história do Brasil, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, atualmente senador pelo PTB, completa 20 anos nesta semana.
Em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou a perda do cargo do ex-presidente, marco do processo que levou à renúncia e perda dos direitos políticos de Collor por oito anos.

Para relembrar os fatos que levaram à queda do então presidente, o G1 publica nesta sexta (28) e no sábado (29) um conjunto de reportagens com depoimentos de personagens relacionados ao episódio, como ministros, políticos e auxiliares de Collor, e apresenta toda a trajetória do impeachment por meio de fotos, vídeos, infográficos e história em quadrinhos.
Tudo começou em 1989, quando o Brasil realizou a primeira eleição direta após três décadas. Durante a campanha eleitoral para a escolha do primeiro presidente eleito pelo voto popular após a ditadura, Collor se apresentou como "caçador de marajás".

"Vamos fazer do nosso voto, a nossa arma. Para retirar do Palácio do Planalto, de Brasília, os maiores marajás deste país", disse Collor em um comício.


Ele foi eleito com 35 milhões de votos contra 31 milhões recebidos pelo segundo colocado, o então sindicalista e hoje ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Meses depois da posse, em 15 de março de 1990, começaram a surgir denúncias de que o tesoureiro da campanha de Collor Paulo César Farias, o PC Farias, pediu dinheiro a empresários e ofereceu vantagens no governo.

Em 1991, Collor falou publicamente sobre as suspeitas. "Toda e qualquer denúncia tem que ser exemplarmente apurada", afirmou.

Em maio de 1992, uma reportagem da revista "Veja" levou à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.

Pedro Collor disse à revista que PC Farias era "testa-de-ferro" do irmão e que o presidente sabia das atividades criminosas do tesoureiro.

Em 20 de junho de 1992, Collor negou relações com PC Farias. "Há cerca de dois anos não encontro o senhor Paulo César Farias, nem falo com ele. Mente quem afirma o contrário."
Diante da pressão da CPI, Collor pediu o apoio da população. "Que saiam no próximo domingo de casa com alguma das peças de roupa nas cores da nossa bandeira. Que exponham nas janelas, que exponham nas suas janelas toalhas, panos, o que tiver nas cores da nossa bandeira. Porque assim nós estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria", disse o então presidente.

A estratégia foi mal-sucedida, e os chamados "caras-pintadas" saíram às ruas vestidos de preto e pedindo a saída de Collor da Presidência.

No mesmo mês, Collor sofreu outro revés. A CPI no Congresso concluiu que ele foi beneficiado pelo suposto esquema montado pelo ex-tesoureiro PC Farias.
O relatório da CPI afirmou que Collor cometeu crime de responsabilidade ao usar cheques fantasmas para o pagamento de despesas pessoais, como uma reforma na Casa da Dinda e a compra de um carro Fiat Elba. Com isso, o caminho para o impeachment estava aberto.
Em 29 de setembro de 1992, ocorreu o principal marco do processo que levou à saída de Collor da Presidência.

A Câmara aprovou o pedido de impeachment. O caso foi ao Senado, que abriu um processo para apurar se houve crime de responsabilidade e que deveria estar concluído em até 180 dias. A comissão de impeachment era presidida pelo presidente do Supremo, ministro Sidney Sanches.

Até lá, Collor ficaria afastado da presidência temporariamente, sendo substituído pelo vice Itamar Franco, o que só aconteceu em 2 de outubro de 1992. Foi o dia em que Collor desceu a rampa do Palácio do Planalto pela última vez.

Em 29 de dezembro, em uma sessão comandada pelo presidente do STF, o Senado decidiu que Fernando Collor era culpado pelo crime de responsabilidade.

Para tentar escapar da possível inelegibilidade por oito ano, o ex-presidente renunciou.
O Congresso entendeu que, mesmo assim, ele deveria perder os direitos políticos. O ex-presidente tentou questionar a inelegibilidade no Supremo, mas o tribunal entendeu que ele deveria mesmo perder os direitos políticos.
 
Área criminal
Depois da derrota política, Collor foi denunciado pela Procuradoria Geral da República por corrupção passiva (receber vantagem indevida). O processo começou a tramitar no Supremo em abril de 1993.
A Procuradoria argumentou que as despesas pessoais apontadas pela Câmara foram pagas com sobras do dinheiro da campanha de 1989.
Para condená-lo por corrupção passiva, era necessário que a Procuradoria provasse que Collor recebeu dinheiro em troca de favores e serviços prestados a corruptores.
Mas o STF entendeu que isso não foi comprovado e absolveu o ex-presidente por cinco votos a três, em dezembro de 1994.
Collor voltou à política em 2002, ano em que perdeu a eleição para o governo de Alagoas. Em 2006, foi eleito senador pelo mesmo estado, cargo no qual permanece até hoje.

Morte de PC
Personagem central das denúncias que levaram à queda de Collor, PC Farias foi preso na Tailândia em novembro de 1993 em razão de um processo pelo qual respondia por sonegação fiscal.
Quase três anos depois, quando estava em liberdade condicional, ele e a namorada foram encontrados mortos em uma casa de praia em Maceió.
A polícia concluiu que PC foi morto pela namorada, que, segundo a versão policial, se suicidou em seguida. As circunstâncias e motivações do crime, no entanto, nunca foram completamente esclarecidas.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Promessa brasileira na ONU sobre direitos indígenas é “marketing”

19 de setembro de 2012

O governo brasileiro deve apresentar nesta quinta, 20, em Genebra, a resposta a 170 recomendações sobre direitos humanos feitas por países-membros da ONU no processo de Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU é um mecanismo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas de revisão periódica da sua situação de direitos humanos dos 193 Estados-membros.

Sabatinado sobre suas condições em relação aos direitos humanos em maio deste ano, o Brasil teve três meses para avaliar críticas e sugestões de seus pares sobre questões como desenvolvimento e inclusão social, defensores de direitos humanos, segurança púbica, justiça e sistema prisional, promoção da igualdade e direitos indígenas, entre outros.
No item “direitos humanos dos povos indígenas”, o governo brasileiro recebeu sete recomendações:

•Fortalecer os standards de procedimentos administrativos procedures referents ao direito da populações indígenas de serem consultadas, de acordo com a Convenção 169 da OIT (Holanda);

•Assegurar os direitos dos povos indígenas, particularmente o direito às terras tradicionais, territoriais e recursos naturais, e seu direito de serem consultados (Noruega);

•Concluir os processos pendentes de demarcação, especialmente os relativos aos Guaraní Kaiowá (Noruega);

•Continuar a promover debates internos para melhorar a regulação dos processos de consulta com as populações indígenas sobre temas que as afete diretamente (Peru)

•Assegurar que os povos indígenas possam defender seu direito constitucional às terras ancestrais sem discriminação, e que seu consentimento informado seja assegurado em casos de projetos que possam afetar seus direitos (Eslováquia);

•Dar mais atenção, em todos os níveis administrativos, aos direitos dos povos indígenas, principalmente para garantir seu direito à terra (Polônia);

•Garantir consultas adequadas aos povos indígenas bem como plena participação em todas as decisões legislativas ou administrativas que os afetem (Alemanha).

De acordo com um comunicado do governo, o Brasil irá acatar apenas algumas das recomendações. Sobre a recomendação sobre consentimento prévio e informado de projetos em terras indígenas, o país argumenta que “a Constituição Federal define que as comunidades indígenas devem ser ouvidas, e que o Congresso deve dar uma autorização pelo uso de recursos hídricos e pesquisa e exploração de recursos minerais em áreas indígenas. Ainda, a Convenção 169 da OIT, adotada pelo Brasil em 2004, requer consulta prévia às populações indígenas. Assim, o Estado Brasileiro já age de acordo com a recomendação”.
Puro marketing
Para organizações de defesa dos direitos humanos e indígenas que acompanham a reunião da UPR em Genebra, é preocupante que o Brasil tenha destacado especificamente a recomendação que menciona o direito ao consentimento. De acordo com Roberta Amanajas, advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), movimentos e organizações nacionais e internacionais consideram que os mecanismos que asseguram a consulta, implicitamente garantem o direito à decisão dos índios se permitem ou não a realização de projetos que os afetem. “Por isso é sintomático que o Brasil faça observações apenas sobre a recomendação que fala em consentimento. Porque, na prática, nem consulta e muito menos consentimento têm sido praticados no país. Vide o caso da hidrelétrica de Belo Monte e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União, que quer restringir direitos a terra e voz dos indígenas”, afirma Amanajás.

No Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) faz criticas mais severas ao governo, principalmente em relação ao que chama de “investimento nas aparências” ou puro marketing na ONU. De acordo com o Cimi, simbólico para a incongruência entre o discurso brasileiro em Genebra e a prática interna é a tentativa de imposição da Portaria 303, da Advocacia Geral da União, que determina, entre outras medidas, a não necessidade de consulta aos indígenas em casos de empreendimentos hidrelétricos e de mineração, postos militares e malhas viárias que afetem seus territórios.

“Causa mais espanto ainda o fato da Portaria 303 ter entrado no circuito dos atentados aos povos indígenas – assim como as Propostas de Emendas à Constituição (PEC) 215 e 038, em tramitação no Congresso Nacional -, num momento em que a Convenção 169 da OIT passa por regulamentação interna. O governo brasileiro diz dialogar, consultar e garantir direitos, mas tudo não passa de mentira e enganação”, afirma a entidade.

Sobre as questões fundiárias e territoriais, que atingem fortemente os indígenas Guarani-Kaiowa no Mato Grosso do Sul e foram questionadas por vários países, o Cimi aponta que nunca foram homologadas tão poucas terras indígenas como no atual governo.

Ações em Genebra
Organizações nacionais e internacionais de direitos humanos e indígenas, como a SDDH, Conectas Direitos Humanos e Amazon Watch organizaram uma série de atividades em Genebra nesta semana pra aprofundar os debates sobre os direitos humanos no Brasil. No dia 18, as organizações se reuniram com o relator especial para os direitos indígenas da ONU, James Anaya, que foi informado sobre as graves violações dos direitos indígenas nos casos de Belo Monte e da portaria 303. “Ele foi muito receptivo aos argumentos e pediu mais informações”, explica Christian Poirier, da Amazon Watch. “Como este é um fórum internacional, onde o Brasil é avaliado por seus pares, achamos importante mostrar que a sociedade civil internacional também acompanha de perto os problemas com direitos humanos no país”, explica Poirier.
Nesta quarta, 19, foi realizado um evento paralelo sobre direitos humanos no Brasil, organizado pela ONG Conectas, que contou com a presença de um diplomata brasileiro da missão permanente na ONU. Na ocasião, foi apresentado o vídeo Belo Monte: Justiça Já! (http://www.youtube.com/watch?v=pukn6EFT-GI&feature=youtu.be&noredirect=1).

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Índios Munduruku clamam por seus direitos ao território e à saúde



No Pará, índios Munduruku clamam pela defesa de seus direitos ao território e à saúde

Foto: MPF

Comunidades convidaram MPF a ouvir preocupações das famílias das Terras Indígenas Sai Cinza e Praia do Índio, no sudoeste do Estado. 

Os 1,5 mil indígenas Munduruku das Terras Indígenas (TIs) Sai Cinza e Praia do Índio, no sudoeste do Pará, estão indignados com a violação de seus direitos representada por medidas dos poderes Executivo e Legislativo federais que alteram a forma de demarcação e uso de seus territórios. Eles também protestam contra a invasão de suas áreas por supostos técnicos a serviço do planejamento de hidrelétricas na região, contra o fato de não terem sido consultados sobre a instalação dessas hidrelétricas e contra a precariedade no atendimento à saúde nas Tis.

As demandas foram apresentadas ao Ministério Público Federal (MPF) em assembleias indígenas realizadas esta semana nos municípios de Itaituba e Jacareacanga. Para os eventos foram convidados os procuradores da República Fernando Antônio Alves de Oliveira Júnior e Felício Pontes Jr., representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e lideranças indígenas de outras etnias da região.

“Nós somos contra esses decretos porque nós temos muitos filhos, netos e bisnetos para criar” , disse Maria Leuza, liderança das mulheres Munduruku na região, referindo-se à portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), e à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. 

 A portaria 303 possibilita intervenções militares e empreendimentos viários, hidrelétricos e minerais em terras indígenas sem consulta prévia de seus povos, além de prever revisão das terras demarcadas. A PEC 215 atribui competência exclusiva ao Congresso Nacional no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. 

“O governo não respeita os nossos direitos, eles querem só que a gente respeite o decreto que eles criaram. Deus mandou a terra não para destruirmos, mas para criarmos nossos filhos em cima dessa terra, e por isso enquanto nós formos vivos a gente vai defender o que é direito dos nossos povos indígenas”, complementa a liderança Munduruku.

Na TI Sai Cinza, o procurador da República Fernando Antônio Alves de Oliveira Jr. lembrou a todos que o direito indígena ao território é um direito fundamental que será defendido de todas as formas pelo MPF no Pará e em Brasília, por meio da Procuradoria Geral da República.

'Não vivemos de enlatados' - “Nós das etnias Munduruku, Apiaká, Kayabi e Kayapó não queremos barragens porque não vivemos de comida enlatada, vivemos de caça e pesca” escreveu Roberto Crixi, liderança Munduruku, em carta entregue aos procuradores da República no evento.

Segundo índios que manifestaram-se durante as assembleias, os projetos hidrelétricos para a região causam preocupação nas TIs não só por causa dos impactos futuros (migração em massa para o sudoeste do Pará, alagamento das terras, aumento da especulação fundiária e do desmatamento, mudança dos regimes hidrológicos, interrupção da navegação, entre outros), mas também por causa dos impactos que já começaram a ocorrer.

Os indígenas denunciaram que há pessoas entrando nas TIs para fazer pesquisas sem autorização das comunidades. As lideranças ficaram de realizar um levantamento dos locais sagrados que podem ser destruídos caso as hidrelétricas saiam do papel. “Há lugares sagrados que os brancos não podem tocar, senão haverá destruição”, alertou o cacique Luciano Saw.

Os investimentos milionários previstos na proposta de construção de sete hidrelétricas nos rios Tapajós e Jamanxim são vistos com perplexidade pelos indígenas diante da falta de recursos para saúde e educação nas comunidades. Lúcio Akai As, da aldeia Abrin Kaburuá, disse que, atuando na região como agente de saúde há 12 anos, muitas vezes precisou pagar do próprio bolso medicamentos e equipamentos necessários para o atendimento de pacientes indígenas. 

O posto médico da aldeia Sai Cinza, por exemplo, não tem aparelho para medição da pressão arterial nem estufa para esterilização de materiais de enfermagem. Sem forro, o teto do posto virou morada para morcegos.

“Esse dinheiro deveria ser colocado em saúde, não em coisas que destroem a vida. Por que que os governantes não vêm aqui pra falar sobre esses projetos? Aí eles iam ouvir nossa opinião”, criticou Saw.

O coordenador da associação indígena Pahyhyp, do médio Tapajós, Francisco Iko Munduruku, apresentou um resumo da assembleia geral indígena realizada no final de agosto em Itaituba, na Terra Indígena Praia do Mangue. Segundo ele, cinco comunidades indígenas foram unânimes em declararem-se contra os projetos hidrelétricos. 

Garimpo - Representantes indígenas relataram que o anúncio da chegada dos projetos hidrelétricos já está provocando a invasão de garimpeiros ilegais, madereiros e grileiros em terras indígenas, em busca principalmente de ouro e diamante em áreas de unidades de conservação que podem ter seus limites alterados por medidas governamentais.

Segundo as lideranças, os rios da região já estão sendo bastante contaminados pela operação dos garimpos ilegais e a pesca praticada nas TIs está sofrendo redução drástica de produção devido aos impactos dessa atividade garimpeira ilegal.

Áreas onde até há pouco tempo haviam três pontos de exploração garimpeira hoje contam com vinte ou mais desses pontos, informaram os indígenas. Os garimpeiros estariam vindo principalmente do Estado do Mato Grosso e do Suriname.

O MPF ficou de articular com a Polícia Federal a realização de operações para prisão dos responsáveis pelos garimpos e apreensão dos materiais utilizados.


Para ver todas as imagens das assembleias indígenas, clique AQUI

Ministério Público Federal no Pará
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Belo Monte vai tirar a vida da Volta Grande do Xingu


POR TELMA MONTEIRO 
01 DE SETEMBRO DE 2012

Desviar as águas do rio Xingu durantes as obras de instalação de Belo Monte e depois, na fase de operação, inviabilizará definitivamente o direito de ir e vir das comunidades. O rio é a via que liga a Volta Grande ao resto do mundo. O rio é a via que dá vida à Volta Grande. Passados três anos das exigências feitas pela ANA como condições para conceder a outorga ao empreendedor, não se apresentou ou comprovou ser possível manter as rotinas de navegação das comunidades no rio Xingu. Seja para escoamento da produção, seja para acesso aos serviços de saúde de Altamira, seja para simples deslocamento. 



O acesso fluvial dos indígenas à cidade de Altamira e o Sistema de Transposição de Embarcações

Os indígenas e as comunidades que vivem ao longo da Volta Grande do Xingu protestam com a falta de solução para o problema que a construção de Belo Monte causará ao acesso fluvial à Altamira. Esse é o Trecho da Vazão Reduzida (TVR), como ficou sendo chamado, porque o projeto prevê o desvio das águas do rio Xingu para alimentar o reservatório intermediário da casa de força principal da UHE Belo Monte.

Desviar as águas do rio Xingu durantes as obras de instalação de Belo Monte e depois, na fase de operação, inviabilizará definitivamente o direito de ir e vir das comunidades. O rio é a via que liga a Volta Grande ao resto do mundo. O rio é a via que dá vida à Volta Grande.

Estão previstas no projeto obras de desvio do rio (ensecadeiras) para construção da barragem principal no Pimental (ver mapa abaixo). É nesse período que o TVR ficará intransponível sem os canais naturais de navegação que permeiam os pedrais, mesmo durante os períodos de seca.

As comunidades e propriedades rurais localizadas entre a cachoeira do Jericoá e o distrito de Belo Monte, na Volta Grande, numa extensão de 100 quilômetros, querem garantias da manutenção da navegação e condições de escoamento da produção.
Até o momento não houve sinal do detalhamento de engenharia do Sistema de Transposição Provisório de Embarcações. Os engenheiros da Norte Energia estiveram nas aldeias para dar uma explicação técnica. Não convenceram. Acabaram por irritar ainda mais os indígenas. Os indígenas pediram que os técnicos desfrutassem mais alguns dias de sua hospitalidade, na aldeia Muratu, para tentar entender as propostas.

Já aborrecidos com o descumprimento das condicionantes, em especial com a questão da transposição das embarcações entre o barramento do rio Xingu, no sítio Pimental e no sítio Belo Monte, os indígenas da TI Paquiçamba não aceitaram as tais explicações técnicas. Uma vez que um trecho do rio será fechado, a Norte Energia tem que dar uma solução imediata para o livre acesso das comunidades ribeirinhas e dos indígenas, pelo rio Xingu, aos serviços essenciais de Altamira.

Em 27 de julho passado, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai) providências urgentes para garantir a navegabilidade para as embarcações das comunidades na Volta Grande do rio Xingu e no rio Bacajá.

Mais um exemplo de irresponsabilidade no processo já irregular de Belo Monte

Belo Monte teria sido apenas um desenho mal concebido, se a Constituição Federal fosse obedecida. No entanto, o projeto inconstitucional saiu do papel e os problemas também. Foram ignoradas as condições impostas pela Nota Técnica (NT) 129/2009 da Agência Nacional de Águas (ANA), encaminhada ao Ibama, em 30 de setembro de 2009. Tanto a NT como uma cópia da comunicação interna da agência trataram de analisar os estudos de Belo Monte que tinham sido apresentados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

O documento que consta do Volume XII, páginas 2.142 a 2.171, do processo de licenciamento de Belo Monte, e que embasou a decisão da Diretoria Colegiada da ANA, para emitir a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) (1), marcou o início de uma seqüência de fatos irregulares que culminou com o protesto das lideranças indígenas das etnias Juruna e Arara, na aldeia Muratu.

A NT da ANA, na página 2.168 do processo de licenciamento, trata de navegação e explica que o arranjo de Belo Monte não previa a transposição dos pedrais da Volta Grande. Admite, ainda, que o empreendimento não propiciará melhores condições de navegação em relação às atuais, já que o trecho não será inundado pelo reservatório.

A ANEEL também confirmou para a ANA que o principal impacto a ser considerado, ao se proporem vazões menores que as naturais nos períodos de estiagem, é quanto ao uso do rio como meio de transporte das comunidades ribeirinhas e indígenas. Então, onde está a solução para impedir esse impacto?

A ANA transcreveu essa informação dada pela ANEEL. A ANEEL informou à ANA a existência de navegação para transporte de cargas, pelo rio Bacajá, dos pequenos produtores de castanhas do Pará, pescado, hortigranjeiros, cacau, além de passageiros no trecho de 100 quilômetros do sítio Belo Monte até Altamira.

Explicou ainda que "interromper ou prejudicar muito essa navegação significa impedir as pessoas de se deslocarem para locais ao longo do próprio TVR, onde existem postos de saúde e escolas, como é o caso da Ilha da Fazenda e Ressaca, e mesmo para Altamira. É em Altamira que a população busca apoio para se tratar em casos mais sérios de doenças e, também, para onde levam os produtos de suas atividades econômicas para serem negociados. A diminuição das vazões provocará uma alteração dos percursos de navegação, sendo necessárias escolhas de locais mais profundos e a existência de um mecanismo de transposição de barcos para se chegar à Altamira."

A NT da ANA, então, concluiu que na DRDH deveria constar uma exigência para manutenção das condições de navegação, adequadas ao porte da navegação existente na região, para todas as comunidades, inclusive os núcleos rurais, durante todo o período de implantação e operação do empreendimento. Mais ainda, recomendou que constasse como condicionante, para converter a DRDH em outorga, "a apresentação do Projeto Básico do mecanismo de transposição de barcos, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição de embarcações que operam na região da Volta Grande do Xingu (inclusive as embarcações de transporte regular de passageiros)."

Em 6 de outubro de 2009, apenas seis dias depois de emitida a nota técnica para o Ibama, a ANA expediu a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) para o aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, com condicionantes. O inciso V do Artigo 6º diz o seguinte:

Esta Declaração será transformada, automaticamente, pela ANA, em outorga de direito de uso de recursos hídricos para o aproveitamento hidrelétrico ao titular que receber da ANEEL a concessão ou a autorização para o uso do potencial de energia hidráulica, mediante apresentação do:

V - Projeto Básico do mecanismo de transposição de barcos da barragem do sítio Pimental, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição das embarcações que operam atualmente na região da Volta Grande do Xingu, inclusive as embarcações de transporte regular de passageiros; (grifo meu).

Nenhum prego poderia ter sido martelado naquela obra sem que estivesse aprovado o Projeto Básico do mecanismo de transposição para as comunidades da Volta Grande!
Não ficou nisso. Em 28 de fevereiro de 2011 essa DRDH foi transformada automaticamente em outorga de direito de uso de recursos hídricos em favor da Norte Energia S.A., para exploração do potencial de energia hidráulica. E no inciso IV, Artigo 3º, lá está ela novamente, a condicionante que deveria ter sido cumprida antes que a DRDH fosse transformada em outorga e antes que a obra começasse:

Art. 3º O outorgado deverá apresentar, nos prazos especificados;

IV. Projeto Executivo do mecanismo de transposição de barcos da barragem do sítio Pimental, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição das embarcações que operam atualmente na região, inclusive quanto à capacidade de carga do mecanismo, conforme levantamento definido no Item III, e compatível com as variações de NA (nível da água) dos futuros reservatórios, a ser apresentado à ANA até 30 de setembro de 2011;

Novamente a exigência sobre o Projeto Executivo do mecanismo de transposição das embarcações foi empurrado para a próxima fase. De 2009 passou para fevereiro de 2011, que passou para setembro de 2011, que passou para... Até o momento ela não foi cumprida, segundo a Norte Energia, em seu último relatório de julho de 2012. Prova disso é o recente protesto na aldeia Muratu.

Atendimento às condicionantes

O 2° relatório consolidado de andamento do PBA e do atendimento de condicionantes foi apresentado pela Norte Energia ao Ibama em 31 de julho de 2012. O capítulo 2 se refere ao Andamento do Projeto Básico Ambiental (PBA) e o item 14 diz respeito ao Plano de Gerenciamento Integrado da Volta Grande do Xingu onde constam:

14.2.1 Projeto de Monitoramento do Dispositivo de Transposição de Embarcações (página 1/9)14.2.2 Projeto de Monitoramento da Navegabilidade e das Condições de Escoamento da Produção (página 1/181)

O relatório nada mais é a repetição da mesma avaliação das características locais já na pauta do processo de licenciamento desde 2009. Pelo visto, a coisa anda tão a passos de cágado que, ainda em julho de 2012, essa gente estava avaliando a "funcionalidade do sistema a ser implantado" de estruturas que já deveriam estar funcionando!

Várias desculpas são usadas para tentar justificar o descaso com a questão, como "prazos tiveram que ser reformulados mediante a necessidade de revisão da proposição primeira para o sistema de transposição de embarcações, imposta por fatores técnicos e naturais da navegação no rio Xingu, como a existência de pedrais e rebojos nas proximidades do sistema e a engenharia naval frágil das embarcações regionais." Nem dá para entender a natureza desse argumento.

É tanta informação truncada que parece mesmo uma forma de ganhar mais tempo e postergar algo que já devia ter sido resolvido no plano de projeto em 2009.

Conclusão

A Norte Energia criou um arcabouço de entraves como justificativas:

I) a primeira etapa de “Levantamento de Referência para o Projeto de Monitoramento das Condições de Navegabilidade e Escoamento Produção” foi realizada ainda no primeiro semestre de 2011;
II) a segunda etapa, da “Distribuição de informações” para detalhamento do Projeto Detalhado de Engenharia do Sistema de Transposição Provisório de Embarcações, foi apresentada ao IBAMA em setembro de 2011;
III) mas o sistema, que sofreu críticas das comunidades e revisões técnicas, foi considerado inoperante devido aos fatores naturais e à fragilidade das embarcações locais (?);
IV) teve que ser reformulado e novamente apresentado ao IBAMA e à FUNAI em 22 de junho de 2012, no seminário em Brasília;
V) foi protocolada no IBAMA, no dia 29 de junho de 2012, a versão final do Projeto Detalhado do Plano de Contingências, documento que elenca as ações e responsabilidades em casos de paralisação do sistema por motivos técnicos ou ambientais conforme CE 307/2012-DS.

Passados três anos das exigências feitas pela ANA como condições para conceder a outorga ao empreendedor, não se apresentou ou comprovou ser possível manter as rotinas de navegação das comunidades no rio Xingu. Seja para escoamento da produção, seja para acesso aos serviços de saúde de Altamira, seja para simples deslocamento.

Para encerrar, faço referência ao Parecer nº 96/2012, do Ibama, de 14 de agosto último, que analisou a condicionante 2.6 da Licença de Instalação, sobre o detalhamento do sistema de transposição de embarcações a ser implantado no sítio Pimental. O parecer tomou como base informações, vistorias e uma visita feita ao modelo de Belo Monte construído em Curitiba, Paraná.

As conclusões informam que apesar de ter havido uma evolução no projeto do sistema apresentado no PBA, há ainda aspectos que precisam ser elucidados. Resumindo, o projeto do sistema de transposição de embarcações ainda não está concluído para implantação.

O projeto de Belo Monte tem irregularidades de sobra para voltar ao papel definitivamente e, junto com ele, os transtornos.

Nota:
1) Antes de um leilão para concessão do uso do potencial de energia hidrelétrica, a ANEEL deve obter a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) junto ao órgão gestor de recursos hídricos que, no caso de Belo Monte, é a ANA. Depois da licitação a DRDH é convertida automaticamente, pela ANA, em outorga para o consórcio vencedor.

Indígenas e ribeirinhos do Xingu poderão ser impactados por maior mineração de ouro do País


A reportagem é do Instituto Socioambiental ISA, 19-09-2012


Além da hidrelétrica de Belo Monte, outro grande projeto ameaça o bem-estar de índios e ribeirinhos na Volta Grande do Xingu. Trata-se daquela que pode ser a maior mineração de ouro do Brasil e que começou a ser licenciada no Pará. Primeira audiência pública aconteceu no dia 13 de setembro, em Senador José Porfírio. Expectativa de implantação das obras é 2013 e operação até 2015, acompanhando o cronograma da hidrelétrica de Belo Monte. Empresa pretende implantar empreendimento em área diretamente afetada pela usina, mas estudos ambientais ignoram impactos cumulativos sobre as populações tradicionais.

Um dos maiores projetos de mineração de ouro do Brasil pode ser instalado na Volta Grande do Xingu – trecho do Rio Xingu que será mais drasticamente impactado pela hidrelétrica de Belo Monte, onde estão duas Terras Indígenas (TIs) e centenas de famílias de ribeirinhos.

Na quinta-feira (13), em Senador José Porfírio (PA), aconteceu a primeira audiência pública para apresentar à população local o projeto que prevê a extração de 4,6 toneladas de ouro por ano, durante 12 anos, e a produção de milhares de toneladas de rejeitos tóxicos, que serão armazenados em imensas barragens localizadas à beira do Xingu. A mina, de acordo com o projeto, seria instalada a menos de 20 quilômetros da barragem de Belo Monte e a 16 quilômetros da TI Arara da Volta Grande, na área diretamente impactada pela usina.




Belo Monte acumula impactos nessa região. Um dos maiores problemas causados pela usina será a redução em até 80% da vazão do Rio Xingu, com a piora considerável na qualidade da água, o que afetará severamente os estoques pesqueiros, principal fonte de sobrevivência da população local. Mesmo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento da hidrelétrica, não tem certeza da magnitude das alterações que o rio sofrerá nesse trecho. Por isso, uma das condições da licença ambiental da hidrelétrica é realizar um monitoramento permanente das condições socioambientais locais, para que medidas adicionais possam vir a ser adotadas.

Apesar da acumulação de efeitos negativos na Volta Grande do Xingu, sobretudo com relação à contaminação da água, os estudos ambientais apresentados pela mineradora ignoram os impactos que serão causados pela usina. Não há, por exemplo, uma análise do que poderá ocorrer com as populações indígenas e ribeirinhas com o eventual vazamento de rejeitos tóxicos num rio já com água com a qualidade comprometida. E nem do efeito que a operação da mina poderá ter sobre a segurança da barragem de Belo Monte. 

A inexistência dos dados chocou até um funcionário da Eletrobrás, presente na audiência pública. Preocupado com a proximidade das obras, Pedro Alberto Bignelli indagou sobre a interferência da operação da mina, que será realizada com explosivos, no canteiro de obras e a barragem de Pimental, de Belo Monte.

"A função da LP [Licença Prévia] é demonstrar a viabilidade ambiental do empreendimento. Então não pode faltar de maneira alguma sinergismo com Belo Monte, tanto dos impactos que vão acumular em especial em Altamira, como um que ninguém expôs aqui, que é que a mineração lida com explosivos e eles geram abalos sísmicos e abalos sísmicos podem ter influência no barramento gigantesco que é Belo Monte. Isso é extremamente sério, não foi estudado, não está no Rima [Relatório de Impacto Ambiental], como a questão indígena também não está lá”, destacou (veja o Rima). 

A procuradora do Ministério Público Federal no Pará Thais Santi chegou a dizer ao final da audiência que não reconhecia a legitimidade daquele encontro e afirmou que está disposta a brigar para levar esse licenciamento para a esfera federal. 

“Eu não posso considerar isso uma audiência pública, porque as respostas que a gente teve aqui não são conclusivas. Continuo aguardando que essa audiência seja continuada, não apenas nas comunidades, mas também em Altamira, com participação da universidade, pois existem muitas questões a serem tratadas. Como jurista, eu não tenho condições de dar um parecer hoje e dizer que saio daqui tranquila com relação a essa obra", disse Santi.

A próxima audiência pública foi marcada para outubro, na comunidade da Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio, e ainda deverá haver outra em Altamira, por onde será feito o acesso à mina e cidade que também deverá atrair uma parcela da migração esperada pela mineradora.

O projeto

O projeto é da Belo Sun Mineração, subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, uma empresa canadense pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc., banco mercantil de capital privado que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo. A empresa detém a autorização do governo federal para pesquisas minerais na região desde agosto do ano passado e agora aguarda a emissão da Licença Prévia (LP) pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) para começar a implantar o empreendimento. 

Segundo o Rima, o empreendimento deverá ser implantado no ano que vem e o minério deve começar a ser extraído em 2015. “Esse cronograma pode ainda sofrer alteração em razão de fatores externos, como a aquisição de equipamentos, por exemplo. Além disso, outras autorizações posteriores à LP são de responsabilidade federal, como a outorga de água pela Agência Nacional de Águas (ANA)”, destaca o gerente de Projetos Minerais da Sema, Ronaldo Lima.

A concessão durará 12 anos, com a retirada de mais de 50 toneladas de ouro no período. A mina na Volta Grande será a céu aberto e contará com um investimento total de pouco mais de US$ 1 bilhão. 

Cláudio Lira, representante da Belo Sun, defendeu o projeto na audiência pública. Em uma apresentação técnica, de difícil compreensão, falou dos investimentos e dos benefícios para o município. Disse que a mão de obra utilizada será preferencialmente da região e que ela será “qualificada e utilizada tanto pela Belo Sun, quanto pelo empreendimento de Belo Monte”. Os estudos apontam a geração de 2,1 mil empregos diretos na fase de pico da extração e outros 600 indiretos, principalmente nas cidades próximas ao projeto, como Altamira e Senador José Porfírio.

Belo Monte abre caminho à mineração

Desde os anos 1950, a região é alvo de garimpos ilegais. Segundo o geólogo e presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Elmer Prata Salomão, a região vem sendo pesquisada por empresas há mais de uma década. Só na Volta Grande do Xingu existem 489 processos protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral, sendo 228 para a extração de ouro. Do total de solicitações de pesquisa e lavra na área, 39 está em nome da Belo Sun, sendo que 22 já possuem autorização de pesquisa e os outros 17 ainda aguardam aval para estudos.

Apesar da existência de estudos, e de muitos garimpos na região, só agora uma mineradora dessa envergadura busca autorização para instalar-se. “Não por acaso a previsão de início de funcionamento da mineração é de poucos meses após o início da geração de energia por Belo Monte. Sem a energia da usina ela não se instalaria”, afirma Raul do Valle, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA. 

A atração de minerações desse porte para a região, no entanto, não foi prevista pelos estudos de impacto ambiental de Belo Monte. Pelo contrário, a única medida relativa ao tema prevista foi a regularização dos garimpos. “Esse caso demonstra o equívoco de se avaliar isoladamente os impactos das hidrelétricas na Amazônia, como se elas não fossem um vetor para outras atividades econômicas altamente impactantes, como a mineração”, afirma Valle.

De acordo com o projeto, para separar o ouro das rochas será usado o cianeto, substância reconhecidamente perigosa, mas, segundo especialistas, amplamente utilizada no mundo da mineração moderna.

“O uso de cianeto em operações mineiras é comum em todo o mundo e ocorre em ambiente vedado, sem nenhuma descarga para o meio ambiente”, afirma Elmer Prata Salomão. Mas a experiência mundial demonstra que não é bem assim. Em 2000, por exemplo, o rompimento da barragem de rejeitos da mina de ouro da Baía Mare, na Romênia, causou o maior desastre ecológico na Europa desde Chernobyl, contaminando 400 quilômetros do Rio Danúbio, até o Mar Negro.

Em artigo de 2011, o especialista americano David Chambers apontou os riscos das barragens de rejeito. Segundo a publicação, desde 2001 as taxas de acidente são desproporcionalmente altas em relação ao ciclo de vida previsto para esses reservatórios. "Os acidentes não estão limitados a velhas tecnologias em países com regulação frouxa. 39% dos acidentes acontecem em minas nos Estados Unidos", descreve o estudo (veja o artigo). 

Fronteira indígena

Além dos impactos acumulados na região da Volta Grande com os dois empreendimentos, a mineração vai viabilizar o acesso a regiões bastante preservadas, como a TI destinada a índios isolados Ituna-Itatá, vizinha à TI Trincheira Bacajá, dos Xikrin, que faz fronteira com algumas áreas pleiteadas pela Belo Sun para mineração.

TI Arara da Volta Grande, dos índios Arara, também faz fronteira com algumas áreas requisitadas pela empresa canadense, mas assim como a TI Paquiçamba, do povo Juruna, só é mencionada como área de influência indireta do empreendimento. Nenhum dos povos da região foi consultado sobre da instalação da mineradora e tampouco foram avaliados os impactos eventuais sobre eles.

Se o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) reconhecesse que o empreendimento pode impactar TIs, o licenciamento do empreendimento teria de ocorrer pelo Ibama. Para o governo federal, no entanto, assim como Belo Monte, a mina não afeta os povos indígenas da região. 

“Não há nenhum problema de [o empreendimento] ser próximo a áreas que fazem fronteira com Terras Indígenas. O que não pode é ser dentro da reserva indígena”, afirma a assessoria de imprensa do DNPM, que autorizou a pesquisa da área pela Belo Sun.

“O mesmo argumento usado para Belo Monte está sendo utilizado agora, o de que a obra não impacta a terra indígena porque não está dentro dela. Como é possível afirmar que não há impacto sobre a vida dos índios da Volta Grande com a diminuição de 80% da vazão do Rio Xingu e a subsequente instalação da maior mineração de ouro do País na mesma região?”, indaga Raul do Valle.
Durante a audiência pública, técnicos da empresa responsável pelo EIA alegaram que a ausência do componente indígena no estudo se daria pela impossibilidade – até o momento – de entrar na TI por falta de autorização do órgão responsável, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Apesar do mea culpa, a questão indígena não foi de fato considerada nos estudos do projeto e, até agora, nada indica que será.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Telma Monteiro – Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas

Pode-se começar essa história ainda no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte no capítulo que fala dos direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu. Nele consta que há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho) na região onde estão construindo Belo Monte.
Eram, na época de realização dos estudos ambientais, 70 processos incidentes sobre terras indígenas que têm 773.000 hectares delimitados, dos quais 496.373 hectares são alvo de interesses para extração de minério, representando 63% do território indígena. Empresas como a Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara têm títulos minerários incidentes na Terra Indígena Apyterewa. Ainda tem muito mais.
Independente das regras que norteiam o setor de mineração em vigor ainda hoje no Brasil, o governo pretende autorizar a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — em terras indígenas (1). Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres, em toda essa região do rio Xingu. Fica nítido quando se olha para os mapas de direitos minerários apresentados nos estudos dos projetos Belo Monte, Complexo Teles Pires e Complexo Tapajós.
Estrategistas militares defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o que impediria a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva Ianomami (2). Nas terras indígenas da região do Xingu próximas aos canteiros de obras da UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio, cobre, fósforo, fosfato.


A implantação do projeto da hidrelétrica Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas (3) e em áreas que as circundam, em particular na Volta Grande, trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o desvio das águas do Xingu. E é justamente nas proximidades do barramento principal, no sítio Pimental, que está sendo montado o maior projeto de exploração de ouro do Brasil, que vai aproveitar o fato de que a Volta Grande ficará seca por meses a fio com o desvio das águas do rio Xingu.
Há mais de dois meses está disponível na Internet o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Volta Grande da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., de junho de 2012. O estudo defende as vantagens de se fazer uma operação de lavra a céu aberto para beneficiamento de minério de ouro com “tecnologia e equipamentos de ponta, similares a outros projetos no estado do Pará”.
Algumas pérolas podem ser encontradas no RIMA do Projeto Volta Grande como: “os Planos de Desenvolvimento do Governo Federal e do Governo do Pará, para a região do Projeto Volta Grande, apontam a necessidade de investimentos em infraestrutura, educação básica, saúde e outros aspectos que permitam melhorar os indicadores de desenvolvimento social e econômico da região, e promover a melhoria da qualidade de vida de suas populações, de forma mais igualitária e sustentável”.

Incrível como, além das hidrelétricas, os projetos de mineração, na visão do governo federal e do governo do Pará, também se tornaram a panacéia para solucionar todos os problemas não resolvidos de desenvolvimento social. Papel que seria obrigação do Estado, com o dinheiro dos impostos pago pelos cidadãos de bem.
Ainda, segundo o estudo apresentado pela Belo Sun Mining Corp., o investimento total no projeto de mineração de ouro da Volta Grande será de US$ 1.076.724.000,00, que pretende, como “brinde”, propiciar controle e monitoramento ambiental e social e colaboração para a realização do desenvolvimento social, econômico e ambiental daquela região. A vida útil do projeto foi estimada em 12 anos de acordo com as pesquisas já efetuadas.

Não é uma maravilha?
Mas no RIMA (a reportagem teve acesso ainda ao EIA) faltaram alguns esclarecimentos: não há menção aos índígenas da região, nem ao fato de que as obras de Belo Monte facilitarão o projeto Volta Grande e nem por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará está licenciando o empreendimento, quando deveria ser o Ibama. São 106 processos de licenciamento de mineração – ouro, bauxita, diamante, cassiterita, manganês, ferro, cobre, areia, granito – no site do Ibama, dos quais 30 são no estado do Pará. Então, por que esse licenciamento escapou da análise dos técnicos do Ibama?



Os impactos ambientais do projeto da Belo Sun Mining sobre a biodiversidade vão atingir principalmente a qualidade das águas superficiais e subterrâneas – assoreamento dos cursos d’água -, o que acrescenta à região mais um agravante para aumentar o prejuízo das comunidades indígenas da Volta Grande e do rio Bacajá, já às voltas com impactos semelhantes decorrentes das obras de Belo Monte. Sem contar o precedente que vai escancarar as portas para exploração de outras jazidas. (Ver mapa abaixo)

Os índios isolados na área do projeto da Belo Sun Mining
A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita desde a década de 1970 (4). Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo. Testemunhos colhidos em 2008 confirmaram a presença de indígenas em isolamento voluntário. Os Asurini relataram seu encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava.

O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp está em parte nas áreas de perambulação desses grupos em isolamento voluntário. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, Componente Indígena, reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini (5). Em Parecer Técnico, a Funai (6) fez referência aos impactos (7) que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário, observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade física e cultural.
O parecer da Funai ainda alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário (8).
A Funai também propôs que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário. Para isso era preciso publicar uma Portaria de Restrição (9) de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.
Em 11 de janeiro de 2011, finalmente, a Funai conseguiu publicar a Portaria de Restrição nº 38, que estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai na área descrita, pelo prazo de dois (02) anos a contar de sua publicação. A área descrita na Portaria, Terra Indígena Ituna/ Itatá, está localizada nos municípios de Altamira, Senador José Porfírio e Anapu, estado do Pará, tem superfície aproximada de 137.765 hectares (ha) e perímetro aproximado de 207,2 km. (Ver mapa)


O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. está sendo implantado no município de Senador José Porfírio, na área da Portaria nº 38 da Funai, que visou proteger os grupos de isolados. Em conversa sobre a Portaria, válida até dezembro de 2012, com um funcionário da Funai que não quis ser identificado nesta matéria, ele me disse que até o final do ano tem que escrever uma nova justificativa para sua reedição e para isso precisam de mais informações sobre o projeto Volta Grande e outros previstos na região. Ainda, segundo ele, existem depoimentos mais recentes sobre a presença dos índios isolados e a Funai está tratando a região da Portaria nº38 como prioridade. A Funai tem tido muitas dificuldades, feito muitas investidas na área e os estudos estão andando, com seis expedições realizadas no último ano, concluiu.
A Audiência Pública para “apresentar” o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. para a sociedade está marcada para o próximo dia 13 de setembro.

Belo Sun Mining Corp.
A empresa responsável, aqui no Brasil, pelo Projeto Volta Grande é a Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado voltado para projetos de mineração em todo o mundo.



A Belo Sun Mining Corp. foi lançada na Bolsa de Valores de Toronto, em 30 de abril de 2012, em ritmo de festa e comemoração. No seu site atualizadíssimo, a empresa não esconde suas pretensões de exploração mineral na Amazônia e que tem um portfólio de propriedades no Brasil. O foco principal da Belo Sun é explorar a mineração numa área que, afirma, é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em aproximadamente 2,85 milhões de onças.
Quando se leem os diversos documentos dá para entender tanto entusiasmo e como o projeto Volta Grande se tornou a menina dos olhos da Belo Sun, pois controla os direitos de mineração e exploração de 130.541 hectares (1.305 km ²). Como isso foi possível ainda é preciso investigar, pois durante algum tempo as equipes da companhia têm atuado na Volta Grande do Xingu, sem disfarces, realizando perfurações e tocando, na Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Pará, o processo de licenciamento ambiental. O farto material fotográfico disponibilizado no site dá uma desagradável sensação de que muito poder está por trás desse bilionário negócio.


Outro projeto, Patrocínio, na região do Tapajós, também da Belo Sun Mining Corp., está sendo desenvolvido e merece um capítulo à parte.
Embora a empresa tenha informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à superfície, em condições geológicas favoráveis, com extração a céu aberto, no site ela se refere à existência de um potencial de alta qualidade em profundidades de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície. Parece que nada está sendo descartado no projeto e que a construção da barragem principal de Belo Monte, no sítio Pimental, para desviar o rio Xingu justamente no trecho da Volta Grande, vai beneficar a extração do ouro em grandes profundidades.
Outro detalhe que chamou a atenção sobre a Belo Sun Mining Corp. é que, nos documentos disponibilizados agora neste mês (setembro), a referência à companhia foi alterada e o símbolo, na estrutura do capital da empresa, está representado como TSX: BSX. Em uma nota de 2011, o Brasil Econômico conta sobre a Belo Sun e a extração de 4 milhões de onças troy (barra de 31,1 gramas) em Altamira, no Pará, e dá o empresário Eike Batista como potencial investidor devido à ligação dele com o a região, onde explorou ouro entre 1980 e 1990.


Começa a fazer sentido. Talvez Eike Batista seja o grande investidor da Belo Sun Mining Ltda., subsidiária da Belo Sun Mining Corp.

A mineração no Brasil
Em maio de 2011, o governo divulgou o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, com um objetivo mal explicado de que o setor mineral contribuiria com um Brasil sustentável. Palavras expressas na introdução feita pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
A pretensão de apresentar uma visão de futuro calcada no desenvolvimento do setor mineral brasileiro com objetivo estratégico de sustentabilidade é, no mínimo, ofensiva. A justificativa que o PNM utiliza para antecipar a ideia de que haverá maior pressão no uso e ocupação do solo é que a demanda por bens minerais em países emergentes deverá crescer nas próximas décadas.
As áreas chamadas de Restrição Legal, que são as unidades de conservação, terras indígenas, as terras quilombolas, áreas destinadas à reforma agrária, são consideradas uma espécie de entrave à expansão da atividade mineral. Um exemplo que é citado no PMN, como um intróito para conduzir o leitor a entender a necessidade de exploração de mineral em terras de restrição legal, é o Plano de Manejo, considerado como um verdadeiro obstáculo às práticas de “atividades econômicas”.
As terras indígenas também são consideradas restritivas à atividade mineral, pois impedem que mais de 25% da Amazônia Legal e 12% do território nacional sejam exploradas. O artigo 231, § 3º, da Constituição Federal de 1988 é entendido como passível de regulamentação, pois prevê que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas se dêem após aprovação do Congresso Nacional, desde que as comunidades afetadas sejam ouvidas, assegurando-lhes participação no resultado de lavra. Como a lei não foi regulamentada, o PNM lhe atribui um quê de inconveniência para a concretização dos planos de mineração ali contidos.
Regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal torna-se, então, no PNM, um desafio para que no futuro se possa disciplinar a relação entre a atividade minerária e as comunidades indígenas. A articulação pressupõe uma melhoria no conhecimento geológico do Brasil para facilitar a identificação de novas jazidas e, o que é pior, a maior autonomia do Estado até para a oferta de insumos minerais para o setor agropecuário. Sem nenhum resquício de pudor, o PNM expõe o objetivo claro de obter, com a regulamentação, a permissão de “abertura de minas em terras indígenas”, que “também amplia o escopo de atuação do setor (minerário) na região Norte”.
Não é de se surpreender que até um papel estratégico para a conservação das florestas foi atribuído ao setor mineral, sem sequer um esclarecimento de como isso se daria em plena Amazônia. À exploração de urânio também é concedida uma colocação de arrepiar, considerada como uso preferencial de produção de energia que reduz os gases de efeito estufa. Exploração essa na Amazônia, subentende-se, e em terras indígenas e unidades de conservação!
A mineração na Amazônia passa a ser destacada como a atual fronteira da expansão mineral, encarada com verdadeiro otimismo no texto, dado o florescimento dos grandes empreendimentos já em curso desde o século XX. São citados todos os projetos cujos impactos se conhecem largamente, como a lavra de bauxita de Juruti, no Pará; a lavra de manganês da Serra do Navio (AP); de bauxita do rio Trombetas, Paragominas; de estanho de Pitinga (AM) e de Rondônia; de ferro, manganês, cobre e níquel de Carajás (PA); de caulim do Jari (AP) e da bacia do rio Capim (PA); de alumina e alumínio de Barcarena (PA); de escoamento de ferro-gusa pela ferrovia de Carajás.
Todo o plano nos leva a antever um grande e único processo de exploração mineral na Amazônia, já precedidos da destruição imposta pelos projetos hidrelétricos e hidrovias. A exploração do grande potencial mineral identificado na Amazônia, especialmente em terras indígenas, está, pelo menos no papel e no Congresso Nacional, em curso, bem pontuada nos planos do governo federal com projetos significativos para facilitar o conhecimento geológico do Brasil.


Na região amazônica, 5% da área que deverá ser estudada para aumentar o conhecimento geológico correspondem a terras indígenas e o documento estabeleceu diretrizes para mineração em áreas com restrições legais. Entre elas, o conhecimento do subsolo para tomada de decisão que se adeque aos “interessese nacionais, regionais ou locais.” O que isso quer dizer, na prática, é que, apesar de a definição de acesso e uso das terras indígenas estar bem clara na Constituição de 1988, uma agenda de entendimentos vai propiciar a regulamentação em tramitação no Congresso e, assim, viabilizar a mineração em terras indígenas e quilombolas. Tudo em nome do interesse nacional.
O PNM propõe duas ações com relação às áreas com restrições legais, para aparar as arestas que travam o desenvolvimento da atividade minerária: uma é articular com órgãos de usos e ocupações do solo restritivos à atividade mineral, que seriam o meio ambiente, terras indígenas e de quilombolas, áreas para reforma agrária, sítios arqueológicos e fossilíferos, entre outros; e a outra é apoiar a aprovação de lei que regulamente o aproveitamento dos bens minerais nas terras indígenas, segundo dispõe o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

O Projeto de Lei da mineração
É da competência exclusiva do Congresso Nacional “autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”, Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal (CF). As riquezas minerais são sempre de interesse nacional e econômico, mas, no que diz respeito à preservação dos interesses das populações indígenas, há uma grande distância.

Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas e que sofre uma grande pressão para que seja aprovado ainda este ano. Uma comitiva de deputados da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas foi à Austrália para ver como é que fazem por lá, para que os indígenas aceitem a mineração em suas terras. Foram estudar a legislação, contratos, royalties e a regulação do sistema de exploração mineral em áreas indígenas, além-mar, para elaborar um parecer ao PL 1610.

O marco regulatório e o novo código da mineração
Em 2011, o Ministério de Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração brasileira, fez um diagnóstico onde apontou burocracia e uma certa “fraqueza” do poder concedente como as principais dificuldades que atingem o setor. Entre os objetivos propostos para o novo Marco Legal estão o fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais, propiciar o maior aproveitamento das jazidas e atrair investimentos para o setor mineral. Tudo indica que os investidores já estão a postos.

Lógico que, no pacote do novo Marco Legal da mineração brasileira, o MME aproveitou para criar o Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que, provavelmente, serão preenchidos com a nomeação de pessoas em cargos de confiança. Isso já acontece, por exemplo, com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), subordinada diretamente ao MME.
As propostas do governo Dilma Rousseff, para alterar o Código de Mineração, que é de 1967, e criar a Agência Nacional de Mineração, serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste mês de setembro. A principal mudança no Código de Mineração será que o governo passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por ordem de chegada.
Todas essas alterações previstas no setor mineral no Brasil, no entanto, não vão alterar em nada as licenças para pesquisa e exploração de novas jazidas já concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, recentemente anunciou que as autorizações novas estariam suspensas até que o novo Codigo de Mineração seja aprovado pelo Congresso. Qualquer processo em tramitação e não concluído no DNPM, portanto, ainda segundo o ministro, perderiam a validade e as jazidas seriam futuramente leiloadas de acordo com as novas normas.
Para se ter uma ideia do tamanho do filão minerário no Brasil localizado principalmente na Amazônia, são mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo de aprovação no DNPM. Lógico que a gritaria é grande por parte das mineradoras que estão na fila de espera, especialmente quando elas levam em conta que a Compensação Financeira pela Exporação de Recursos Minerais (CFEM) vai passar de 0,2% para até 6%. Mas, para o Ministério de Minas e Energia, tocado por Edison Lobão, sob a chefia de José Sarney, a aprovação do Código da Mineração aumenta ainda mais o seu poder, passando a ser so controlador direto dos leilões de concessões, como o da energia.


Essa é uma herança do governo Lula desde 2010 que Dilma Rousseff agora está tocando com celeridade.
Esse resumo sobre as tramitações que envolvem as alterações no setor de mineração serve para esclarecer o porquê de grandes empresas internacionais estarem ao mesmo tempo “atacando” as principais regiões onde estão as maiores riquezas minerais no Brasil. Uma delas é onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, na Volta Grande do Xingu; uma outra é na Província Mineral do Tapajós, justamente onde o governo planeja a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Coincidência ou não, as empresas são canadenses e têm vários projetos para exploração de ouro nessas áreas.

Notas:
1) Governo quer mineração em áreas indígenas da Amazônia; disponível em http://www.amazonianet.org.br/index.php?system=news&news_id=652&action=read.
2) Idem acima.
3) Exploração de minérios em terras indígenas é tema polêmico , 26/09/10, disponível em: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/exploracao-de-minerios-em-terras-indigenas-e-tema-polemico/
4) AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas 103/111/113. Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009.
5) Idem, p. 103
6) UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
7) Parte 4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87.
8) “A continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer Técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
9) “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96.


Observação
A Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema), que está licenciando o projeto Volta Grande da Belo Sun, informou que:
1-  O processo de licenciamento será feito todo pela Sema? Em que estágio se encontra?
O processo de licenciamento ambiental, a cargo da Sema, encontra-se na fase de Licença Prévia (LP), com a análise do processo e organização da Audiência Pública.
2-Ha alguma previsão de conclusão e inicio das obras?
Pelas informações do empreendedor, as obras de implantação devem se iniciar em 2013/2014 e a operação 2015/2016. Porém, poderá sofrer alteração em razão de fatores externos (por exemplo, a aquisição de equipamentos);
3 – A mineradora ja tema utorização de lavra do governo federal?
O empreendedor tem as devidas autorizações (MME/DNPM) para as pesquisas minerais, que serão base para a autorização de exploração;
4- Alem dessa autorização, ha mais alguma parte do processo de licenciamento que dependa do governo federal?
Outras autorizações posteriores à LP são de responsabilidade federal, como a outorga de água (ANA).
5 – Como ocorre o processo de remoção das populações que hoje ocupam a área reivindicada pela mineradora? Ha alguma estimativa de quantas familias seriam e onde serão alocadas?
O detalhamento da realocação será tema da próxima fase do licenciamento ambiental (Licença de Instalação), com a exposição de como se dará e população envolvida (cerca de 700 pessoas);
6 – o projeto terá alguma intervenção no rio Xingu?
O Projeto terá somente a captação de parte da água necessária ao processo, visto que o maior volume será recirclado/recuperado.
11.11.2012