A reportagem é do Instituto Socioambiental - ISA, 19-09-2012
Além da hidrelétrica de Belo Monte, outro grande projeto ameaça o bem-estar de índios e ribeirinhos na Volta Grande do Xingu. Trata-se daquela que pode ser a maior mineração de ouro do Brasil e que começou a ser licenciada no Pará. Primeira audiência pública aconteceu no dia 13 de setembro, em Senador José Porfírio. Expectativa de implantação das obras é 2013 e operação até 2015, acompanhando o cronograma da hidrelétrica de Belo Monte. Empresa pretende implantar empreendimento em área diretamente afetada pela usina, mas estudos ambientais ignoram impactos cumulativos sobre as populações tradicionais.
Um dos maiores projetos de mineração de ouro do Brasil pode ser instalado na Volta Grande do Xingu – trecho do Rio Xingu que será mais drasticamente impactado pela hidrelétrica de Belo Monte, onde estão duas Terras Indígenas (TIs) e centenas de famílias de ribeirinhos.
Na quinta-feira (13), em Senador José Porfírio (PA), aconteceu a primeira audiência pública para apresentar à população local o projeto que prevê a extração de 4,6 toneladas de ouro por ano, durante 12 anos, e a produção de milhares de toneladas de rejeitos tóxicos, que serão armazenados em imensas barragens localizadas à beira do Xingu. A mina, de acordo com o projeto, seria instalada a menos de 20 quilômetros da barragem de Belo Monte e a 16 quilômetros da TI Arara da Volta Grande, na área diretamente impactada pela usina.
Belo Monte acumula impactos
nessa região. Um dos maiores problemas causados pela usina será a redução em
até 80% da vazão do Rio Xingu, com a piora considerável na qualidade da água, o
que afetará severamente os estoques pesqueiros, principal fonte de
sobrevivência da população local. Mesmo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama),
responsável pelo licenciamento da hidrelétrica, não tem certeza da magnitude
das alterações que o rio sofrerá nesse trecho. Por isso, uma das condições da
licença ambiental da hidrelétrica é realizar um monitoramento permanente das
condições socioambientais locais, para que medidas adicionais possam vir a ser
adotadas.
Apesar da acumulação de efeitos negativos na Volta Grande do
Xingu, sobretudo com relação à contaminação da água, os estudos ambientais apresentados
pela mineradora ignoram os impactos que serão causados pela usina. Não há, por
exemplo, uma análise do que poderá ocorrer com as populações indígenas e
ribeirinhas com o eventual vazamento de rejeitos tóxicos num rio já com água
com a qualidade comprometida. E nem do efeito que a operação da mina poderá ter
sobre a segurança da barragem de Belo Monte.
A inexistência dos dados chocou até um funcionário da Eletrobrás,
presente na audiência pública. Preocupado com a proximidade das obras, Pedro Alberto Bignelli indagou
sobre a interferência da operação da mina, que será realizada com explosivos,
no canteiro de obras e a barragem de Pimental, de Belo Monte.
"A função da LP [Licença Prévia] é demonstrar a viabilidade
ambiental do empreendimento. Então não pode faltar de maneira alguma sinergismo
com Belo Monte, tanto dos impactos que vão acumular em especial em Altamira,
como um que ninguém expôs aqui, que é que a mineração lida com explosivos e
eles geram abalos sísmicos e abalos sísmicos podem ter influência no barramento
gigantesco que é Belo Monte. Isso é extremamente sério, não foi estudado, não
está no Rima [Relatório de Impacto Ambiental], como a questão indígena também
não está lá”, destacou (veja o Rima).
A procuradora do Ministério Público Federal no Pará Thais Santi chegou
a dizer ao final da audiência que não reconhecia a legitimidade daquele
encontro e afirmou que está disposta a brigar para levar esse licenciamento
para a esfera federal.
“Eu não posso considerar isso uma audiência pública, porque as
respostas que a gente teve aqui não são conclusivas. Continuo aguardando que
essa audiência seja continuada, não apenas nas comunidades, mas também em
Altamira, com participação da universidade, pois existem muitas questões a
serem tratadas. Como jurista, eu não tenho condições de dar um parecer hoje e
dizer que saio daqui tranquila com relação a essa obra", disse Santi.
A próxima audiência pública foi marcada para outubro, na
comunidade da Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio,
e ainda deverá haver outra em Altamira, por onde será feito o acesso à mina e
cidade que também deverá atrair uma parcela da migração esperada pela
mineradora.
O projeto
O projeto é da Belo Sun Mineração,
subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, uma empresa canadense
pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc., banco mercantil de
capital privado que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo. A empresa
detém a autorização do governo federal para pesquisas minerais na região desde
agosto do ano passado e agora aguarda a emissão da Licença Prévia (LP) pela
Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) para
começar a implantar o empreendimento.
Segundo o Rima, o empreendimento deverá ser implantado no ano
que vem e o minério deve começar a ser extraído em 2015. “Esse cronograma pode
ainda sofrer alteração em razão de fatores externos, como a aquisição de
equipamentos, por exemplo. Além disso, outras autorizações posteriores à LP são
de responsabilidade federal, como a outorga de água pela Agência Nacional de
Águas (ANA)”,
destaca o gerente de Projetos Minerais da Sema, Ronaldo Lima.
A concessão durará 12 anos, com a retirada de mais de 50
toneladas de ouro no período. A mina na Volta Grande será a céu aberto e
contará com um investimento total de pouco mais de US$ 1 bilhão.
Cláudio Lira, representante da
Belo Sun, defendeu o projeto na audiência pública. Em uma apresentação técnica,
de difícil compreensão, falou dos investimentos e dos benefícios para o
município. Disse que a mão de obra utilizada será preferencialmente da região e
que ela será “qualificada e utilizada tanto pela Belo Sun, quanto pelo
empreendimento de Belo Monte”. Os estudos apontam a geração de 2,1 mil empregos
diretos na fase de pico da extração e outros 600 indiretos, principalmente nas
cidades próximas ao projeto, como Altamira e Senador José Porfírio.
Belo Monte abre caminho à
mineração
Desde os anos 1950, a região é alvo de garimpos ilegais. Segundo
o geólogo e presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa
Mineral (ABPM),
Elmer Prata Salomão, a região vem sendo pesquisada por empresas
há mais de uma década. Só na Volta Grande do Xingu existem
489 processos protocolados no Departamento Nacional de Produção Mineral, sendo
228 para a extração de ouro. Do total de solicitações de pesquisa e lavra na
área, 39 está em nome da Belo Sun, sendo que 22 já possuem autorização de
pesquisa e os outros 17 ainda aguardam aval para estudos.
Apesar da existência de estudos, e de muitos garimpos na região,
só agora uma mineradora dessa envergadura busca autorização para instalar-se.
“Não por acaso a previsão de início de funcionamento da mineração é de poucos
meses após o início da geração de energia por Belo Monte.
Sem a energia da usina ela não se instalaria”, afirma Raul do Valle, coordenador de Política e Direito
Socioambiental do ISA.
A atração de minerações desse porte para a região, no entanto,
não foi prevista pelos estudos de impacto ambiental de Belo Monte. Pelo
contrário, a única medida relativa ao tema prevista foi a regularização dos
garimpos. “Esse caso demonstra o equívoco de se avaliar isoladamente os
impactos das hidrelétricas na Amazônia, como se elas não fossem um vetor para
outras atividades econômicas altamente impactantes, como a mineração”, afirma
Valle.
De acordo com o projeto, para separar o ouro das rochas será
usado o cianeto, substância reconhecidamente perigosa, mas, segundo
especialistas, amplamente utilizada no mundo da mineração moderna.
“O uso de cianeto em operações mineiras é comum em todo o mundo
e ocorre em ambiente vedado, sem nenhuma descarga para o meio ambiente”, afirma Elmer Prata Salomão.
Mas a experiência mundial demonstra que não é bem assim. Em 2000, por exemplo,
o rompimento da barragem de rejeitos da mina de ouro da Baía Mare, na Romênia,
causou o maior desastre ecológico na Europa desde Chernobyl, contaminando 400
quilômetros do Rio Danúbio, até o Mar Negro.
Em artigo de 2011, o especialista americano David Chambers apontou
os riscos das barragens de rejeito. Segundo a publicação, desde 2001 as taxas
de acidente são desproporcionalmente altas em relação ao ciclo de vida previsto
para esses reservatórios. "Os acidentes não estão limitados a velhas
tecnologias em países com regulação frouxa. 39% dos acidentes acontecem em
minas nos Estados Unidos", descreve o estudo (veja o artigo).
Fronteira indígena
Além dos impactos acumulados na região da Volta Grande com os
dois empreendimentos, a mineração vai viabilizar o acesso a regiões bastante
preservadas, como a TI destinada a índios isolados Ituna-Itatá, vizinha à TI Trincheira Bacajá,
dos Xikrin, que faz fronteira com algumas áreas pleiteadas pela Belo Sun para
mineração.
A TI Arara da Volta Grande, dos índios Arara, também
faz fronteira com algumas áreas requisitadas pela empresa canadense, mas assim
como a TI Paquiçamba, do povo Juruna, só é mencionada como área de influência
indireta do empreendimento. Nenhum dos povos da região foi consultado sobre da
instalação da mineradora e tampouco foram avaliados os impactos eventuais sobre
eles.
Se o Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
reconhecesse que o empreendimento pode impactar TIs, o licenciamento do
empreendimento teria de ocorrer pelo Ibama. Para o governo federal, no entanto,
assim como Belo Monte, a mina não afeta os povos indígenas da região.
“Não há nenhum problema de [o empreendimento] ser próximo a
áreas que fazem fronteira com Terras Indígenas. O que não pode é ser dentro da
reserva indígena”, afirma a assessoria de imprensa do DNPM, que
autorizou a pesquisa da área pela Belo Sun.
“O mesmo argumento usado para Belo Monte está sendo utilizado
agora, o de que a obra não impacta a terra indígena porque não está dentro
dela. Como é possível afirmar que não há impacto sobre a vida dos índios da
Volta Grande com a diminuição de 80% da vazão do Rio Xingu e a subsequente
instalação da maior mineração de ouro do País na mesma região?”, indaga Raul do Valle.
Durante a audiência pública, técnicos da empresa responsável
pelo EIA alegaram que a ausência do componente indígena no estudo se daria pela
impossibilidade – até o momento – de entrar na TI por falta de autorização do
órgão responsável, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Apesar
do mea culpa, a questão indígena não foi de fato considerada nos estudos do
projeto e, até agora, nada indica que será.
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