Líder caiapó usará 18 mil arrecadados na Europa
para evitar ação de invasores
JAMIL
CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA
O Estado
de S.Paulo
O
cacique Raoni arrecadou cerca de 18 mil (R$ 48,4 mil), com uma campanha
publicitária veiculada em países europeus, para construir uma nova aldeia na
fronteira entre Mato Grosso e Pará. A ideia é que ela fique próxima do local
onde vive sua tribo e sirva como uma espécie de posto de fronteira para
protegê-la. Assim, os índios ocupariam a área que, segundo eles, estaria
ameaçada.
Ontem,
Raoni esteve na Organização das Nações Unidas (ONU), e lideranças da entidade
afirmaram sua preocupação em relação ao impacto de obras de infraestrutura na
Amazônia.
A
campanha e a declaração da ONU ocorrem às vésperas do encontro entre Dilma
Rousseff e François Hollande, presidente da França, previsto para hoje, em
Paris. Hollande recebeu Raoni há poucos dias e prometeu que falará com Dilma.
A nova
aldeia, na região de Kapot-Nhinore, deve custar quase 18,5 mil. Segundo os
organizadores, quase toda a quantia foi arrecadada com uma campanha que apelou
à população européia para ajudar o cacique.
"Praticamente
o dinheiro que era necessário para a aldeia já foi arrecadado", indicou ao
Estado Gert-Peter Bruch, presidente da ONG francesa Planète Amazone e um dos
líderes do projeto. "Esse é o lugar onde meu pai está enterrado",
afirmou Raoni.
O local
que servirá de base para a nova aldeia tem sido alvo de conflitos intensos.
Para a liderança dos caiapós, só a criação de uma aldeia na região frearia
invasões por parte, principalmente, de fazendeiros e turistas que vão em busca
da pesca.
Em
maio, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União foram obrigadas a concluir
o procedimento de identificação e delimitação da terra indígena - o Tribunal
Regional Federal acatou parecer do Ministério Público Federal. A Funai apelou,
argumentando que a delimitação já vem ocorrendo e, para a conclusão, restam uma
pesquisa de campo e a coleta de novos dados.
Para a
Funai, é a falta de controle sobre quem ocupa a área no entorno, e não a
demarcação, que causa o conflito. Procurada, não se pronunciou sobre a criação
da nova aldeia.
A
arrecadação foi a alternativa encontrada pelos indígenas para financiar a
construção de um território próprio e, assim, deixar clara a posse. "Esse
é um local tradicional para meu povo e os brancos não estão respeitando",
disse Raoni, ontem, em Genebra.
O spot
publicitário, dirigido por Jan Kounen (de Coco Chanel & Igor Stravinsky),
mostra imagens de desmatamento, da exportação de carne, soja e madeiras e tem a
participação do ator francês Vincent Cassel (estrela de filmes como
Irreversível e Cisne Negro), que apela ao público que "ajude Raoni".
Bruch
diz que o dinheiro veio de "doações privadas" e nenhuma instituição
bancou o projeto. Segundo ele, o custo necessário para erguer a aldeia foi
calculado pelo Instituto Raoni.
Pressão.
Além de dinheiro, Raoni está em busca de apoio diplomático. Ontem, ele foi
recebido pela número 1 da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, e fez
acusações contra as obras de Belo Monte, pedindo que a entidade tome uma
posição de defesa de seus interesses.
A
resposta, segundo as ONGs envolvidas, foi positiva. Pillay teria se mostrado
preocupada com o impacto de grandes obras realizadas sem o acordo das
comunidades locais e, segundo participantes da reunião, indicou que cobraria o governo
brasileiro.
Outra
preocupação da ONU é a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União, que liberaria
a mineração e outras atividades nas reservas indígenas. Raoni saiu do encontro
confiante de que a ONU pressionará o governo.
Em
novembro, Raoni foi recebido por Hollande e entregou a ele um documento escrito
por lideranças indígenas solicitando que seus direitos sejam respeitados. O
documento havia sido preparado durante a Rio+20, mas Raoni teria sido impedido
de entregá-lo a Dilma. "Houve uma forte pressão diplomática por parte do
Brasil para que Hollande não recebesse Raoni antes da visita de Dilma",
revelou Bruch.
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