A retrospectiva que eu queria não será possível fazer neste final do ano de
2012, e até acredito que, com o andar dessa carruagem chamada Brasil, em nenhum
ano até 2200! Muitos vão se alegrar, pois, com este artigo, encerro meu
ativismo socioambiental. Feliz 2013!
Telma Monteiro
Pediram-me que fizesse uma retrospectiva de 2012,
abordando os temas que mais criaram polêmica na área onde tenho atuado. Tentei
inúmeras vezes escrever, buscando nas postagens do meu blog aquilo que mais me
deixou indignada. Como o antigo escritor sem inspiração, que ficava na frente
da máquina de escrever olhando para um papel em branco, eu, dias seguidos, fiz
o mesmo diante da tela do computador com uma página branca sobre o azul de
fundo do programa.
Pensei, suspirei e me perguntei para o que serviria
a retrospectiva. Para relembrar que os Guarani-Kaiowá estão morrendo no Mato
Grosso do Sul, porque o governo e a Funai não dão a mínima para eles? E que
eles apenas estão reivindicando aquilo que é seu direito imemorial? E que,
acossados, eles, os Guarani-Kaiowá, não têm como lutar contra sua humilhação e
degradação social diante de grandes fazendeiros que contratam jagunços para
proteger suas suntuosas fazendas despidas da floresta?
Retrospectiva das imagens da destruição que a
construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, está impondo às
populações ribeirinhas e aos povos indígenas? Lembrar que Altamira está se
tornando uma pocilga, sem infraestrutura, com índices alarmantes de
prostituição e violência, doenças e miséria? E que isso já aconteceu em
Rondônia com as usinas do Madeira?
Lembrar que tudo isso é só porque um governante
acha que o Brasil tem que crescer 5% ao ano, mas neste ficou no mísero 1%,
aceitando que o sacrifício imposto aos impactados na Volta Grande do Xingu e
região não foi suficiente para levar a economia do Brasil à estratosfera
megalomaníaca de Dilma Rousseff e Lula?
Agora, veja-se o resultado visível e risível de
Dilma, em momento de ufanismo economicida, vangloriar-se de elevar o Brasil à
posição de 6ª economia do mundo, prometendo a 5ª. Pois é, acaba de cair para
7ª. Para quê? Alguém no governo fez a conta do custo desse esforço
crescimentista para o meio ambiente e para as futuras gerações? Esqueci que é
esse o futuro que eles querem, e não o que queremos.
Retrospectiva do processo que aprovou o Código Florestal
no Congresso Nacional, que ainda discute se o agronegócio vai desmatar mais ou
menos nas APPs (Áreas de Proteção Permanente), e como acelerar a anistia dos
criminosos desmatadores? Lembrar que a sociedade considera boa a redução, em
pontos porcentuais, do índice de desmatamento na Amazônia, em relação ao ano
passado, quando na verdade deveria chorar pela floresta derrubada que,
lamentavelmente, é transformada em índice?
Retrospectiva do ataque terrorista de que foi alvo
o povo Munduruku, na região do rio Teles Pires, por ordem não se sabe de quem?
A polícia federal, sob a desculpa de combater o garimpo ilegal, fez uma
incursão de filme do Arnold Schwarzenegger, tipo Comando para Matar.
Isso como se nunca alguém tivesse tido conhecimento da existência secular da
extração de ouro nessa região, comandada por empresas clandestinas alaranjadas,
tocada por gente inescrupulosa e aproveitadora da ausência deliberada do
Estado.
Para que fazer retrospectiva? Só porque é final de
ano e precisa refrescar a memória de poucos brasileiros que leem, mas que
descartam os fatos, mais preocupados com seu time preferido que foi campeão,
sendo isso que importa? Ou para alguns milhões de outros brasileiros que estão
focados no próximo Big Brother ou na Copa das Confederações e na Copa do Mundo,
e preferem ignorar o derrame de dinheiro público e indícios de sobrepreço e
superfaturamento nas obras dos estádios?
Relembrar as promessas recentes e irresponsáveis da
presidente, que diz que pode dar desconto nas contas de luz, incentivando o
desperdício? A conta de luz é cara? Claro que é, mas, se fossem acrescentados
todos os custos ambientais e sociais oriundos das hidrelétricas na Amazônia e o
futuro ameaçado dos ecossistemas, ela seria muito mais cara. Aí as pessoas
talvez sentissem no bolso o peso dos impactos. Por outro lado, não se viu
esforço no sentido de minimizar as perdas técnicas e comerciais de energia
elétrica nas linhas de transmissão e distribuição, que chegam perto dos 20%.
Mas energia de hidrelétricas é barata, diz o setor. Para quem?
Por falar em economia, não quero relembrar que a
campanha de substituição das lâmpadas tradicionais por lâmpadas de vapor e gás
de mercúrio, altamente tóxicas, pode ser o começo do fim da consciência
ecológica que até vinha crescendo no seio da sociedade. Milhões e milhões para
o lobby dessa indústria homicida que não prevê o descarte e não expõe o perigo
nos rótulos das lâmpadas compactas fluorescentes. Lembrar que as maiores ONGs
ambientalistas, como WWF e Greenpeace, têm sido as maiores defensoras dessas
lâmpadas mortais? Não, não quero fazer retrospectiva!
Que tal lembrar que a Vale foi eleita a pior
empresa do mundo? Satisfaz nosso desejo por justiça? Ou que algumas grandes
empresas mineradoras canadenses, já por mim denunciadas, como a Belo Sun
Mining, estão explorando ouro da região em que estão construindo Belo Monte?
Outras estão explorando ouro onde o governo federal
decidiu construir as hidrelétricas, no rio Tapajós e outros, até formaram um
consórcio para explorar a província mineral do rio Teles Pires e Juruena. Será
que temos que fazer retrospectiva de todo esse lixo capitalista transnacional
para conscientizar a população que entra e sai do elevador, do restaurante, de
todos os lugares teclando seu smart alguma coisa?
Relembrar que o maior banco público do Brasil, que
deveria financiar com juros subsidiados a iniciativa de pequenos produtores
rurais, comerciantes, geração de renda, serviços, economia local, o BNDES,
acaba de soltar uma grana preta para os barrageiros de Belo Monte, para a elite
construtora da hidrelétrica Santo Antônio do Jari, para a Odebrecht de Jirau no
rio Madeira, dá náuseas. Isso é retrospectível?
A retrospectiva que eu queria, não será possível
fazer neste final do ano de 2012, e até acredito que, com o andar dessa
carruagem chamada Brasil, em nenhum ano até 2200!
Muitos vão se alegrar, pois, com este artigo,
encerro meu ativismo socioambiental. Feliz 2013!
Telma Monteiro é ativista socioambiental,
pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br,
especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e
publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo
Brasil.
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