Fonte: Combate ao Racismo Ambiental
Dion Márcio C. Monteiro*
Antropólogos, hidrólogos, engenheiros e
biólogos, entre outros professores e pesquisadores, que por muito tempo têm
avaliado os impactos da UHE Belo Monte, incluindo o Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA) e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que o Governo Federal
encomendou às empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade
Gutierrez, sempre afirmaram que o início das obras no rio Xingu traria consigo
grandes problemas aos povos indígenas da região, em especial aos Arara da Volta
Grande, Juruna do Paquiçamba e Xicrin do Bacajá.
Os representantes da Norte Energia S.A (NESA)
e do Governo Federal sempre negaram que a construção das ensecadeiras e demais
estruturas afetaria o modo de vida destes povos, afirmando com todas as letras
que não haveria significativos danos às referidas áreas.
Um impacto relativamente pequeno e o não
alagamento de terras indígenas tem sido o principal argumento do governo e da
empresa, quando justificam a não necessidade de realização das famosas oitivas
indígenas, matéria até hoje pendente de julgamento definitivo por parte do
Superior Tribunal Federal.
No dia 07 de janeiro/2013, dezenas de índios
Juruna fecharam o Travessão do Km 27, estrada que liga a rodovia Transamazônica
ao Sítio Pimental, local onde estão sendo realizados os trabalhos de barramento
do rio Xingu. Ônibus e máquinas pesadas ficaram presos, e todos os 4 mil
operários que lá trabalham paralisaram suas atividades.
Os Juruna decidiram fazer mais esta ocupação
devido aos atuais problemas verificados no Xingu, situação resultante, entre
outras coisas, do descumprimento de vários acordos realizados entre os povos
indígenas, o Governo Federal e a NESA.
Aqui vale lembrar que em julho de 2012 foi
encerrada uma das maiores ocupações indígenas já realizadas no local. De lá
para cá já se passaram seis meses e praticamente nada do que foi acordado foi
cumprido pela empresa. Naquele momento ficou definida a criação de um comitê
indígena para monitorar a vazão do rio; a criação de um comitê gestor indígena
para acompanhar as compensações da obra; a realização de estudos complementares
no rio Bacajá, afluente do Xingu; e o plano de proteção das terras indígenas
afetadas, entre outras demandas emergenciais.
Com esta nova ocupação os Juruna estão
denunciando o que há muito tempo os especialistas já avaliavam. As águas
ficaram turvas e foram contaminadas com rejeitos da obra, prejudicando o uso
que os povos indígenas fazem desta. Juruna, Arara e Xicrin, para citar somente
alguns grupos da região, utilizam a água do rio Xingu para o banho de adultos e
crianças, para lavar a roupa que usam e inclusive para fazer a comida que
consomem. A própria pesca também ficou prejudicada, pois os peixes estão muito
mais escassos. A navegação é outro item que se encontra bastante comprometido na
Volta Grande do Xingu.
Conclusão: as confusões, farsas, mentiras e
ilusões criadas pelo Governo Federal e Norte Energia não cessam.
Recentemente o Ministério Público Federal
(MPF) conseguiu na justiça que o Governo Federal e a NESA sejam obrigados a
utilizar o estudo independente feito por especialistas da Universidade Federal
do Pará (UFPA) para a definição da chamada cota 100, limite de altura de 100
metros acima do nível médio do mar.
Abaixo dessa altura pode haver alagamento
permanente se a usina for construída, sendo obrigatória a retirada de todos os
imóveis. Isto quer dizer que em uma estimativa técnica preliminar a população
passível de ser atingida alcança cerca de 25.500 pessoas do núcleo urbano de
Altamira, conforme os estudos da UFPA/MPF, e não 16.420, como apontado no
EIA/RIMA da NESA, feito pelas empreiteiras a pedido do Governo Federal.
Outro problema recentemente verificado foi o
não funcionamento do Sistema de Transposição de Embarcações (STE).
Mesmo a NESA tendo contratado uma empresa de
Manaus, que está 24h à disposição de ninguém, o sistema não obteve êxito na
primeira vez que foi acionado, no dia 28 de dezembro. Na ocasião o STE não
conseguiu transportar uma voadeira de 12 lugares que tentava passar de jusante
para montante do rio Xingu.
No mesmo dia que o STE se mostrava inoperante,
incapaz de transportar a referida voadeira, o consórcio Norte Energia recebia a
primeira parcela dos 22,5 bilhões de reais que o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai repassar à NESA para a
construção de Belo Monte. Recursos públicos que estão sendo remanejados do
PIS/PASEP e FGTS, alocados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Tanto o Governo Federal quanto a NESA tentam,
o tempo todo, caracterizar a UHE Belo Monte como um fato consumado, mas, nesse
caso, o verdadeiro fato consumado é a inviabilidade desta obra, em todos os
aspectos.
Independente da nossa vontade, a realidade
sempre se faz presente, da mesma forma que a mentira tem pernas muito curtas,
como dizia nossa avó. A UHE Belo Monte é somente mais um exemplo disso.
*Pesquisador do Instituto Amazônia Solidária e
Sustentável (IAMAS) e componente do Comitê Xingu Vivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário