Por Luciano Martins Costa
A entrevista da ex-senadora Marina Silva ao programa Roda
Viva, da TV Cultura de São Paulo, transmitido na noite de
segunda-feira (18/2), não ganhou repercussão na imprensa na terça-feira (19/2).
Somente o Estado de S. Paulo noticiou o encontro da ex-candidata a
presidente da República com seis jornalistas, realizado apenas dois dias depois
de ela haver lançado publicamente a Rede Sustentabilidade, que a imprensa
entende ser um novo partido político.
O programa acabou sendo um desencontro de
visões de mundo: os entrevistadores demonstraram não entender a proposta, a
ex-senadora não conseguiu explicar claramente seu projeto. Algumas expressões
que ela usa como “ativismo autoral”, ou “depuração pelo controle ético”,
ficaram flutuando no cenário da emissora, sem que os participantes fossem
capazes de lhes dar um significado no contexto jornalístico.
Claramente, há um descompasso entre o
pensamento de Marina Silva, que se consolida em sua proposta de ativismo
político, e o que a imprensa convenciona como atividade
política. Um diálogo assim improvável acaba necessariamente se
transformando em conversas paralelas, e foi isso que se viu: em determinado
momento, a entrevistada chegou a ser questionada se o movimento que lidera não
seria apenas “um PSD que não come carne”.
O autor da pergunta – que se esforçava para
fazer uma ironia – estava apenas verbalizando a incapacidade da imprensa
tradicional de entender o que se encontra fora da caixinha de convenções do
discurso político. Ele se referia ao fato de Marina Silva ter declarado que a
Rede Sustentabilidade não estará “nem à esquerda, nem à direita, mas à frente”.
A comparação com a frase do ex-prefeito
paulistano Gilberto Kassab, que ao criar o PSD afirmou que seu partido não
teria uma posição ideológica definida, revela que o jornalista não entendeu a
proposta do movimento.
Os entrevistadores também pareciam não
compreender que a iniciativa não está necessariamente vinculada a uma
candidatura presidencial em 2014. Para se constituir como partido regular, a
Rede precisa coletar pelo menos 500 mil assinaturas até setembro e finalizar o
processo de registro no Tribunal Superior Eleitoral até dezembro deste ano,
agenda considerada difícil de ser cumprida.
Universos paralelos
Ainda que tivesse contado com os melhores
profissionais de comunicação do mundo ao se preparar para a entrevista, Marina
Silva não poderia ter sido mais clara: o movimento que lidera procura se
sintonizar com as redes sociais digitais, ou melhor, procura ser validado nas
redes sociais antes de se apresentar como uma proposta política formal.
O que ela chama de “ativismo autoral” é o
comportamento típico dos protagonistas das redes, que se manifestam
espontaneamente sobre os mais diversos assuntos e, eventualmente, agregam-se em
campanhas públicas, como o manifesto que pede o afastamento de Renan Calheiros
da presidência do Senado.
Mas, com exceção da representante da Agência
Pública de jornalismo investigativo, os interlocutores pareciam falar outra linguagem.
Determinados momentos da entrevista revelam claramente o descompasso entre a
proposta em debate e o modo como os jornalistas presentes ao estúdio da TV
Cultura compreendem o mundo.
Por exemplo, quando um dos entrevistadores viu
elementos de subversão na iniciativa da senadora e seus parceiros, ao inferir
que o movimento pela sustentabilidade procura se infiltrar no capitalismo para
mudá-lo por dentro. A insistência em questionar como o movimento vai barrar o
ingresso de políticos com “ficha suja” também mostra que os jornalistas não
entenderam que a proposta é identificar lideranças entre os protagonistas das
redes que se entrelaçam na sociedade, e obter dessas redes o aval a
representantes já lançados na política.
O projeto liderado por Marina Silva não pode
ser analisado pelos padrões tradicionais da mídia, mas os jornalistas precisam
encaixá-lo no contexto que conhecem. Dessa forma, o encontro estava destinado a
produzir mais perguntas que respostas: jornalistas, em geral, pensam
linearmente, porque são treinados para conduzir os elementos de informação a um
ponto de convergência onde a narrativa possa ser interpretada de maneira
homogênea por um grande número de receptores. A proposta da Rede
Sustentabilidade, ao contrário, tem seu maior valor justamente na maior
diversidade de interpretações que for capaz de captar e representar.
São dois universos paralelos.
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