18 de julho de 2013
Lúcio Flávio Pinto
Este era para ser um
ano de pique de obras no canteiro da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu,
no Pará, o maior do país. É provável que não seja mais. Os sucessivos
incidentes com os índios e os grupos que se opõem à usina retardaram o
cronograma físico e provavelmente influirão também sobre o cronograma
financeiro de um empreendimento que já se aproxima da duplicação do valor
inicial de projeto, que era de 16 bilhões de reais (passou para R$ 19 bilhões
no leilão e já se aproxima de R$ 30 bilhões na mais recente atualização).
Mas talvez seja uma
avaliação errada a dos que imaginam que o retardamento cresça e possa até levar
ao cancelamento da iniciativa, principalmente sob o impulso das manifestações
de protesto pelas ruas do Brasil. Parece que, quanto a Belo Monte, a posição do
governo é de partir para o confronto, se a sempre alegada solução negociada se
inviabilizar. A margem de tolerância do governo nessa negociação é curta. Ela
presume a existência da hidrelétrica. Admite apenas compensações e mitigações.
Ao contrário do
perfil traçado no edital de leilão, Belo Monte já não é mais uma realização da
iniciativa privada com endosso oficial. Ela se tornou um projeto de governo,
estratégico e prioritário, uma condição para a realização de uma das metas
principais do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Assim como Lula a considerou
uma questão fechada, a presidente Dilma Rousseff não abre mão dela. Pelo
contrário: a impõe. Daí provavelmente ter se recusado a receber os índios
Munduruku, que tentaram falar com ela em Brasília para apresentar-lhe sua
posição.
Os índios não só
reivindicariam a paralisação de Belo Monte como lhe antecipariam sua disposição
de impedir que comece a construção das sete usinas previstas para o vale do
Tapajós, abrangendo suas terras. Na eventualidade desse confronto, a presidente
não deixaria de lhes dizer (ou advertir) que a obra prosseguirá. Essa certeza
se fundamenta no uso de tropa federal, com ênfase na nova estratégia com o
concurso da Força Nacional de Segurança, mas também através do uso de
instrumentos de coerção, sedução e cooptação. O alvo principal seriam as
populações locais, indígenas e não indígenas, mais suscetíveis a essa atração.
A reestatização de
Belo Monte foi constante e crescente desde o leilão. Como explicar que depois
de ter glorificado a parceria com a iniciativa privada, o governo a tenha
substituído quase integralmente? Não foi uma decisão espontânea, tomada por
iniciativa própria. Foi necessária para preencher o vácuo criado pela
desistência dos sócios do consórcio vencedor no leilão. A explicação mais
evidente para esse movimento foi a complexidade da obra e o seu encarecimento
como efeito das mudanças de projeto. Talvez não haja outro exemplo de uma
hidrelétrica tão grande, dimensionada para ser a terceira maior do mundo,
funcionando a fio d’água, sem a estocagem de água suficiente para manter sua
geração firme durante o longo período de decréscimo da vazão do rio. Na fase
crítica, o Xingu não terá água corrente para manter em atividade as 24 turbinas
da usina.
A redução drástica
do reservatório foi o argumento utilizado pelos projetistas para calar as
denúncias de que Belo Monte acarretaria um grande impacto ecológico, social e
antropológico na região. Com uma inundação que representaria apenas a
perenização das cheias do rio, a hidrelétrica deixaria de ser uma obra suja, consagrando-se
como fonte de energia limpa.
O problema é que
essa alteração exige a abertura de canais artificiais fora do leito do Xingu,
na volta grande que o rio dá a jusante do vertedouro principal do complexo, no
sítio Pimental. Essa é uma delicada e desafiadora obra de energia, inédita na
construção de grandes barragens na Amazônia. Talvez os engenheiros estejam
seguros do que estão fazendo, mas não transmitiram até hoje essa confiança à
opinião pública. Ao que parece, nem estão mesmo preocupados com isso: em
matéria de relacionamento do seu corpo técnico com a sociedade, Belo Monte
consegue ser mais autoritária do que foi Tucuruí, no rio Tocantins, em plena
ditadura.
Se as coisas
estivessem fluindo harmonicamente, conforme as previsões originais, as grandes
empreiteiras não teriam desistido do domínio da concessão licitada e voltado à
sua condição tradicional de empreiteiras, faturando com as encomendas do
construtor e operador da usina. Empresas estatais do setor elétrico, fundos de
pensão e instituições públicas as substituíram no controle da Norte Energia.
Com isso arrastando em seu favor dinheiro público.
Daí o aval do BNDES,
que assegurou R$ 22,5 bilhões quando o orçamento da usina chegou a R$ 28,9
bilhões. É uma situação original: o agente financeiro assegura 80% do total
independentemente de saber a quanto monta a conta final. Não interessa: o
governo garante. Garante mesmo? É o que estará em questões nos próximos
capítulos dessa novela milionária.
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