Confira a entrevista:
No II
Seminário de Jornalismo e de Mídia Training do
Oeste do Pará você vai falar sobre Ética e Jornalismo – Fronteiras da
Cidadania. Como aplicar a ética jornalística no noticiário político tão adverso
de Brasília?
Cristina
Serra: Antes de qualquer coisa, a ética está dentro de cada um de nós, como
pessoas e profissionais. Se você me perguntar sobre o código de ética
jornalística, nem saberia te dizer o que consta em todos os artigos. É claro
que já o li e o estudei na faculdade, mas digo que não preciso tê-lo de memória
porque a ética – que procuro aplicar em tudo na vida e não apenas no trabalho –
se baseia em princípios simples: procurar a verdade, sempre; ouvir todos os
lados envolvidos, dar voz a todos; ter uma relação transparente com as fontes e
com os entrevistados; acima de tudo ter compromisso com o público. A
credibilidade é o maior patrimônio de um jornalista e só é possível
conquistá-la agindo de forma ética. Isso vale para qualquer lugar ou setor que
você cubra. Em Brasília, a dificuldade a mais talvez seja separar, claramente,
o joio do trigo; saber – em cada reportagem – quais os interesses em jogo,
distingui-los e publicar aquilo que, de fato, é relevante para o público.
Sempre que vou fazer uma reportagem, a primeira pergunta que me faço é: qual o
interesse do cidadão neste assunto? Tudo o mais vai decorrer dessa resposta.
Nos últimos anos muito se discutiu sobre a
obrigatoriedade ou não do diploma de jornalista para exercer a profissão. Qual
a sua opinião sobre esse assunto?
Cristina
Serra: Acho que todo profissional de jornalismo deve ter um diploma
universitário, que pode ser de jornalismo ou outra profissão. Mas tem que ter
nível superior. A exigência do diploma foi uma grande conquista, que não pode
ser perdida. Qualificou e profissionalizou o exercício do jornalismo,
conscientizou as redações. Mas, acho que a contribuição de outros profissionais
enriqueceria as redações. Quanto mais plural, mais rico o Jornalismo. Ainda
mais hoje em dia, com a tecnologia da informação tão acessível a tanta gente,
não vejo muito sentido em restringir. Acho que o caminho é ampliar, mas com
organização e regras. Um caminho para os profissionais de outras áreas que
quisessem atuar sistematicamente como jornalistas seria, talvez, fazer uma
especialização de um ou dois anos para se preparar para as particularidades da
profissão e obter o registro.
Como você avalia a formação do jovem
jornalista atualmente? A Universidade/Faculdade tem cumprido o papel na
formação dos novos profissionais?
Cristina
Serra: Estou distante das universidades. Posso falar apenas pelos estagiários
que passam pela TV Globo e por um ou outro contato que faço com estudantes por
meio de palestras. Me parece que os estudantes, hoje, estão mais preparados,
não sei se porque as faculdades melhoraram ou porque, hoje, eles recebem uma
avalanche de informações e porque fazem parte de uma geração super conectada, o
que não acontecia na minha época, 30 anos atrás (risos). Outro exemplo
interessante são os jovens jornalistas que trabalham no Profissão Repórter, do
Caco Barcellos, alguns excelentes! Estamos falando, no entanto, de estudantes
de grandes centros e universidades que já tem tradição no ensino de jornalismo.
Certamente, deve haver um desnível muito grande entre os cursos Brasil afora.
Você é especializada em política, trabalha com esta
editoria desde a década de 1980 e há alguns anos sua sede é Brasília. Como é
cobrir a política no Centro Político do país? Quais os episódios/coberturas
políticas mais marcantes nesses anos?
Cristina
Serra: Realmente, eu adoro política. Desde a faculdade, me interessei e
direcionei meu trabalho pra isso. Trabalhei um período no Rio de Janeiro, já
cobrindo política local, e vim pra Brasília porque queria me aprofundar no
assunto. Cobrir política é como ser testemunha da História o tempo todo, é um
privilégio e uma grande responsabilidade. É como andar em campo minado porque
sempre há muitos interesses em jogo e é preciso distingui-los para não ser
instrumento de nenhum setor, de nenhum lobby, de nenhum partido. É um desafio.
Quanto mais trabalho, mais aprendo. Aliás, essa é uma das grandes belezas do
jornalismo: ter a humildade de aprender todo dia uma coisa nova. Em política,
então, isso é ainda mais verdadeiro. Cada novo grupo que chega ao poder, você
começa tudo de novo. Mudam as fontes, a forma de agirem, os códigos do poder,
entende? E a gente tem que aprender tudo de novo. Coberturas marcantes? Sempre
acho que será a próxima. Gosto de olhar pra frente. Mas, pra não deixar você sem
resposta, uma que me marcou muito – talvez porque ainda era uma menina e porque
foi o começo de uma grande transformação no Brasil – foi a cobertura das
manifestações populares pelas eleições diretas, em 84/85, no Rio. Eu era
estagiária do jornal Tribuna da Imprensa e fui destacada para isso. Escrevia
matérias de página inteira, uma delícia, eu, saindo da fralda, e escrevendo
sobre Tancredo, Ulysses, Brizola, Covas, Lula etc. (risos). O famoso comício da
Candelária é inesquecível. Outra cobertura importante pra mim foi a campanha a
presidente do Brizola, em 89. Viajei por vários lugares do Brasil cobrindo a
campanha dele. Brizola é um grande personagem e era muito divertido também.
Nesse caso, eu já estava no Jornal do Brasil. Como ele não foi para o segundo
turno, passei a reforçar a equipe de cobertura do Collor e – modéstia a parte –
fiz uma das matérias mais importantes daquela cobertura. Escrevi a primeira
matéria revelando o personagem PC Farias, tesoureiro da campanha e, naquela
altura, já envolvido em falcatruas e investigado pelo Banco Central. A matéria
fez algum barulho, mas Collor acabou sendo eleito e depois, deu no que deu.
Quando vim para Brasília, uma cobertura muito importante, já na TV, foi o
período das reformas do primeiro mandato do governo FHC. Foi um momento de
discussão muito rico sobre o Brasil que queríamos construir a partir dali – uma
discussão, aliás, inconclusa porque foram feitas algumas reformas, mas outras
ficaram pelo caminho. No governo Lula, teve a cobertura da CPI dos Bingos, que
redundou no chamado escândalo do Caseiro e na demissão do ministro da Fazenda,
Antônio Palocci. E agora, pra ficar num assunto bem atual, destaco a cobertura
do julgamento do Mensalão, a cobertura dos sonhos de qualquer jornalista que
gosta de política. Estou “pinto no lixo” (risos).
Você foi
correspondente em Nova York e fez inúmeras reportagens internacionais, foi à
Antártida, onde visitou a base chilena e a base brasileira de pesquisa e
conversou com cientistas brasileiros; foi enviada especial pós-terremoto no
Haiti. De que forma essas coberturas foram importantes pra sua carreira? Que
outra cobertura internacional você destacaria?
Cristina
Serra: A cobertura internacional enriquece muito o jornalista, abre os olhos e
a cabeça pro mundo. Nesse sentido, os três anos que passei em Nova York foram
sensacionais, é uma experiência que vou levar pra vida toda. É muito importante
ver como a imprensa trabalha num país que já tem suas instituições democráticas
consolidadas. Lá, a imprensa é muito respeitada e você percebe que a sociedade
como um todo valoriza o trabalho do jornalista, como um elemento essencial para
o funcionamento da democracia. A sociedade americana valoriza e cobra
transparência das autoridades e o público vê o jornalista como esse canal entre
a sociedade e o poder, as autoridades. Acho que esse foi o maior aprendizado
que eu trouxe de lá. Tive outras experiências internacionais, como a cobertura
das discussões, na ONU, sobre a guerra no Iraque; a reeleição do Bush, em 2004;
a Antártica, o Haiti, a prisão da fraudadora Jorgina de Freitas, na Costa Rica,
em 97/98, várias viagens internacionais do FHC e do Lula; fiz uma série em Cuba
para o Fantástico, enfim, já fui a quase todos os continentes a trabalho. Isso
é importante, um jornalista precisa botar o pé na estrada. Então, adoro as
coberturas internacionais, mas meu maior interesse como jornalista, minha
grande paixão é o Brasil. Temos muito que fazer aqui. O Brasil é uma nação em
construção e acredito que o jornalismo tem sua contribuição a dar.
Com toda
essa experiência a pergunta que não quer calar é: Vem um livro por aí? Os
estudantes de jornalismo agradecem!
Cristina
Serra: Tenho várias idéias para um livro. Mas, cadê tempo???? A vida de
repórter absorve demais. Mal consigo me dividir entre o trabalho e a família.
Um livro está no horizonte, sim, mas acho que vou ter que esperar a
aposentadoria (risos).
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