Postado
por Nathália Clark - Greenpeace Brasil - 26 abr
“Wuygeycug”
é a palavra que define o sentimento do povo Munduruku nesse momento. O
significado dela não é guerra nem confronto, mas tristeza. Reunidos durante
três dias na aldeia Sai Cinza, lideranças do baixo, médio e alto Tapajós
juntaram suas vozes para que sua mensagem seja ouvida: “Nós não queremos
barragem”. Guerreiros por natureza, os Munduruku não se resignam ao silêncio do
governo. Sem diálogo ou consulta prévia por parte das autoridades, os indígenas
saíram às ruas para reivindicar o seu direito à terra e ao rio que os alimenta.
Eles não pedem muito. Apenas que o curso da vida possa continuar correndo
livre.
“Queremos
o Tapajós limpo. Queremos os peixes vivos. Queremos a terra sempre boa para que
nossos filhos vivam bem. Não permitimos degredar ou sujar o nosso rio. Estamos
mostrando nossa recusa diante do governo. Não queremos perder nada da floresta.
Se ela acabar, o que vamos comer? Só o gado sobrevive de capim. Estamos juntos
para mostrar nossa força até o final. Não queremos as obras do governo. Nossa
riqueza é de todos os brasileiros, inclusive os não-índios”, defendeu o
cacique-geral do povo Munduruku, Arnaldo Kaba.
A
passeata aconteceu nesta manhã no município de Jacareacanga (PA), que fica a
exatos 12 quilômetros – ou 45 minutos de voadeira – da aldeia Sai Cinza. O
grupo de cerca de 150 pessoas partiu da sede da Associação Pusuru, organização
que representa todos os 13 mil indígenas do povo Munduruku distribuídos por 118
aldeias ao longo do rio Tapajós. A intenção era chamar a atenção dos representantes
do governo e da Força Nacional, que voltaram a ocupar a cidade desde o dia 24
para a Operação Tapajós, mas não se apresentaram para a reunião com as
lideranças.
Tradicionalmente
os Munduruku são divididos em dois clãs, o vermelho e o branco. Eles contam que
o primeiro tem uma relação direta com o fogo e representa a força e o fervor de
luta do povo. Já o branco significa transparência e tenacidade. A junção dos
dois é o que traz o equilíbrio às comunidades. Simbolicamente separados no
plano mítico, no mundo terreno eles vivem segundo o lema da associação Pusuru:
“Soat Pugtagma”, ou “caminhando juntos”.
“Se
aceitarmos o dinheiro que o governo quer oferecer como compensação à barragem,
não teremos mais vida. Não queremos o dinheiro. O dinheiro um dia acaba, mas
não podemos deixar que acabe a nossa água. Se isso acontecer, não teremos mais
peixe, a floresta vai acabar. Não somos acostumados a comprar peixe, a natureza
nos dá de graça. Como os primeiros habitantes do Brasil, o governo deveria
cuidar de nós, nos ajudar, mas agora ele quer tomar nossas terras. Os
nossos antepassados estão no rio. E é aqui que nós queremos ficar”, disse
Cândido Waro, presidente da Pusuru.
O
Tapajós é hoje uma das últimas grandes frentes de expansão – e também de
resistência – do projeto energético planejado para a Amazônia, e que prevê a
construção de pelo menos sete mega hidrelétricas na região. Enquanto o governo
o vê apenas como uma via de execução para seus empreendimentos, povos
tradicionais como os Munduruku têm nele a sua fonte de subsistência e parte
indissociável da sua cultura.
“O
governo quer impor seu projeto mesmo sem nos consultar. Deixamos nossos
parentes doentes em outras aldeias para ouvir o que as autoridades têm a nos
dizer. Mas eles não vieram. Estamos nos sentindo humilhados, mas ainda estamos
esperando. O rio Tapajós guarda coisas sagradas para nós. Se a barragem chegar,
acaba a nossa história. Não queremos ameaça nem confronto, queremos que eles
venham falar conosco e nos ouvir. O rio é nossa vida, e nossa vida não tem
preço. O governo não pode nos comprar. Deixem nosso rio em paz, é isso que
pedimos”, frisou o cacique Juarez Saw.
Como
resultado dos três dias de reunião, os Munduruku prepararam três cartas, a
serem entregues ao governo federal, demonstrando sua indignação pelo não
comparecimento das autoridades à aldeia Sai Cinza para a plenária que os
aguardava, demonstrando sua recusa em aceitar a barragem do Tapajós, e levando
um pedido para verificação de sítios arqueológicos pertencentes aos seus antepassados
na cachoeira das Sete Quedas, no rio Teles Pires.
Este
último foi palco, em novembro, do assassinato de um indígena, durante operação
da Força Nacional. A mesma força bruta volta agora a invadir o território
Munduruku para fazer passar, a qualquer custo, os estudos de impacto ambiental
da hidrelétrica São Luís do Tapajós.
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