Em carta, população que
será afetada por série de usinas diz que vai resistir e cobra ser consultada
sobre os megaprojetos envolvendo usinas. Por Felipe Milanez
publicado 05/09/2013
Rio Tapajós, um dos principais afluentes do Amazonas, e
talvez o mais belo rio de toda a bacia, es†á ameaçado pela construcão de uma
série de usinas hidrelétricas ao longo do seu curso. As comunidades locais
dizem que vão resistir ao plano do governo.
Após audiência pública em 30 de agosto, comunidades do rio Tapajós
divulgam carta em que afirmam que não concordam com a construção de usinas
hidrelétricas no rio. Segundo os movimentos sociais, "os argumentos dos
representantes do governo revelaram que as hidrelétricas seriam construídas em
sacrifício dos povos e comunidades tradicionais e em beneficio de uma pequena
elite de grandes empreiteiras e mineradoras."
As comunidades criticam o uso de força militar contra os indígenas
Munduruku, sob o argumento de proteção aos pesquisadores que adentram os
territórios indígenas contra a vontade dos Munduruku. As ações do governo
estariam criando, dentro dos territórios indígenas, um "clima de
terror".
Na Carta de Santarém, transcrevem trechos de falas onde a população
local manifesta indignação contra os projetos e dizem estar sendo agredida.
Dizem, também, que irão resistir e denunciam o descumprimento da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que toca a consulta das
populações afetadas pelos projetos.
A chegada dessa massiva indústria extrativista, de mineração e energia,
tem provocado transformações profundas na região. As usinas são vistas, pela
população local, como uma ameaça a sua sobrevivência, e exigem participarem do
debate sobre o seu futuro e o da região.
O rio Tapajós é hoje um dos maiores palcos de conflitos ecológicos no
Brasil. O governo federal pretende instalar mais de uma dúzia de usinas no
Tapajós e afluentes, provocando um impacto cuja real dimensão sobre as
populações e a floresta é impossível de medir. As usinas iriam produzir energia
para o rico polo mineral do Tapajós e de Carajás. Há diversas mineradoras de
bauxita operando no delta do rio, como a Alcoa, em Juruti, e a Mineração Rio do
Norte, na margem esquerda do Amazonas. Há novos projetos para mineração de
ouro, bauxita e níquel na região, além de também produzir energia para
alimentar a Vale, em Carajás.
Talvez um dos mais belos da Amazônia, o Tapajós tem grande parte de suas
margens cobertas de floresta. E a floresta amazônica especialmente nessa
região, é mais uma memória histórica e cultural do que "selvagem":
ali é um dos principais centros arqueológicos da Amazônia, com muitas áreas de
terra preta, espécies de árvores domesticadas e uma das mais ricas diversidades
culturais – povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, beradeiros, pescadores,
seringueiros, caboclos, migrantes de diversas partes do país, pequenos
garimpeiros independentes. Nos últimos anos, também assiste a chegada massiva
de madeireiros e sojeiros, chamados de "gaúchos".
As comunidades pedem para ser ouvidas, e informam estar protegidas pela
Constituição e tratados internacionais. A questão, se for tomada a mais recente
e moderna jurisprudência no mundo, é realmente de direito das comunidades. Como
mostrei aqui no blog, em texto do economista e ecologista Joan Martinez Alier,
na Índia as comunidades do estado de Odisha ganharam na justiça o direito de
serem consultadas sobre a instalação de uma mineradora de bauxita na região.
Todos disseram que não queriam a mineradora. Nas consultas realizadas entre
julho e agosto, a votação foi unânime contra a chegada da Vedanta Ltd. e a
exploração da montanha Niyamgri.
No Tapajós, além da bauxita, mas junto dela, há os megaprojetos que vão
transformar para sempre a vida de quem vive lá – e muitos não irão sobreviver.
Negar a essa população o direito de se manifestar e de ser protagonista sobre
sua vida é uma medida além de autoritária. É uma medida que decide, a partir do
centro do poder, quem vive, e quem não precisa viver.
Abaixo, a carta das comunidades do Tapajós e organizações da sociedade
civil em defesa do rio.
CARTA DE SANTARÉM
Nós da sociedade civil organizada
de Santarém e região, povos e comunidades tradicionais, reunidos em Audiência
Pública, realizada em Santarém - PA, no dia 30 de agosto de 2013, convocada
pela OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Santarém e pelos Movimentos
Sociais da região, com o tema: HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS: PERSPECTIVAS E
IMPACTOS, por meio desta carta, manifestaram que NÃO CONCORDAMOS COM A
CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS NO RIO TAPAJÓS!
Na Audiência Pública
representantes da Eletrobrás/Eletronorte e de empresas contratadas para a
realização do empreendimento, tentaram convencer que as hidrelétricas na Bacia
do Rio Tapajós são uma necessidade para o Brasil. Cerca de 180 participantes,
vindos de terras indígenas, comunidades rurais e cidades da região, aprenderam
detalhes da perversidade do plano do Governo Federal para barramento do Rio
Tapajós e seus afluentes. Os argumentos dos representantes do governo revelaram
que as hidrelétricas seriam construídas em sacrifício dos povos e comunidades
tradicionais e em beneficio de uma pequena elite de grandes empreiteiras e
mineradoras.
Questionados sobre a invasão do
governo nos territórios Munduruku e nos territórios tradicionalmente ocupados,
com aparato militar em operação de guerra, os representantes do governo e seus
técnicos contratados responderam que é “apenas” uma questão de “discreta e
democrática” proteção ao trabalho de pesquisa para o EIA/RIMA esperado pelo
IBAMA. No entanto, para os representantes dos povos e comunidades tradicionais
presentes isso é uma agressão arbitrária e intimidatória. Em resposta,
manifestaram-se representações dos povos e comunidades Tradicionais:
“Vocês são um bando de covardes,
pois entram em nossa casa. Vocês têm medo de nós. Nós não somos ameaça. Vocês
são ameaça, pois só estamos defendendo o que é nosso.”(liderança Munduruku).
“Estamos representando mais de 20
mil pessoas da RESEX Tapajós-Arapiuns. Viemos aqui dizer que não queremos as
hidrelétricas, não precisamos dessas hidrelétricas.” (liderança ribeirinha).
“Queremos o direito de viver, de
criar nossos filhos, de trabalhar. Não queremos morrer afogados. O recado está
dado: Nós vamos resistir até o fim. A luta continua!”(liderança indígena).
“Vamos lutar até a morte para não
acontecer essas hidrelétricas. Ninguém é bandido, nós ficamos espantados com
tanta policia.” (liderança beiradeira).
As falas aqui transcritas
manifestam a indignação da população do Tapajós, agredida, porém resistente
frente à ofensiva que está acontecendo de maneira violenta e autoritária.
Denunciamos o claro
descumprimento da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O Brasil
assumiu o compromisso de realizar consultas prévias em qualquer projeto ou
decisão de governo que venha a afetar, modificar, de forma permanente e irreversível,
a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Trata-se, portanto, de um
direito constituído que tem sido violado pelo governo por meio de decisões
autoritárias de membros do judiciário.
Em vergonhosa e covarde afronta à
dignidade dos indígenas e à seriedade do Estado brasileiro, os mais de 140
índios presentes em uma reunião em Brasília, em junho de 2013, ouviram do
ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República que: “mesmo após
consulta pública, os índios não terão poder de veto à construção das
hidrelétricas”.
A autoritária e equivocada
política energética do governo brasileiro oprime os povos indígenas e as
organizações da sociedade que estão cientes de seus direitos e das obrigações
do Estado. As ações do governo brasileiro tem sido típicas de regimes
totalitários e ditatoriais que, recentemente, levaram à morte dois indígenas
(Munduruku e Terena) e instalaram um clima de terror em seus territórios.
Ao mesmo tempo em que denunciamos
as arbitrariedades do Governo Federal, que impõe seu projeto de crescimento
econômico a qualquer custo e sem respeito aos direitos humanos dos povos do
Tapajós, manifestamos completa rejeição à implantação de hidrelétricas, as
quais trarão impactos irreversíveis aos povos e à natureza na região do Tapajós.
Requeremos do Supremo Tribunal
Federal que exija da presidência da república o respeito aos direitos humanos
como manda a Constituição Federal, como a consulta prévia
antes de iniciar obras de tão grandes impactos como as hidroelétricas na
bacia do Tapajós que ameaçam de forma irreversível os ciclos naturais das áreas
de maior biodiversidade do planeta. Solicitamos também aos órgãos de direitos
humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA e da Organização das Nações
Unidas - ONU que intervenham junto ao Governo Federal brasileiro por
desrespeitar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Santarém, Pará, 30 de agosto de
2013.
1. Associação Comunitária de
Montanha e Mangabal
2. FAMCOS
3. International Rivers
4- Movimento Tapajós Vivo - MTV
5- Centro de Estudo, Pesquisa e
Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas – CEFTBAM
6- Conselho Pastoral dos
Pescadores – CPP/Santarém
7- Projeto Saúde e Alegria - PSA
8- Colônia de Pescadores Z- 20
9- Comunidade Indígena de Pinhel
– Rio Tapajós IAPAPI
10- Movimento de Trabalhadores
por Luta e Moradia – MTLM
11- Associação indígena Pahyhyp -
ITAITUBA
12- GCI/CITA
13- Grupo de Defesa da
Amazônia-GDA
14- Movimento Salve o Juá
15- Associação Maira – Resex
Tapajós
16- Ecotore
17- FAOR
18- OAB sub seção Santarém
19- CEAPAC
20- Movimento Roda de Curimbó
21- Associação da Comunidade de
Nuquini – Tapajós
22- Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Santarém
23-ASBAMA
24- SINSOP
25- Associação Irmã Dulce
26- UES
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