08/05/13
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB vem por meio da presente,
manifestar em primeiro lugar a sua profunda preocupação pela nota divulgada no
dia de ontem, 06 de maio, pela Secretaria Geral da Presidência da República,
intitulada“ Esclarecimentos sobre a consulta aos Munduruku e a invasão de Belo
Monte”, na qual o Estado Brasileiro, sob gerência do Governo da Presidente
Dilma Rousseff, assume publicamente uma posição abertamente preconceituosa e
discriminatória contra os povos indígenas do Brasil. Para o governo, os
indígenas mobilizados contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e contra o
complexo hidrelétrico dos rios Tapajós e Teles Pires não são legítimos, daí que
os chama de “autodenominadas” ou “pretensas” lideranças. Curioso, mas quando era
do interesse do governo o mesmo os recebeu como legítimos para negociações no
Palácio do Planalto.
Evidentemente
que esse ataque não é só contra os Munduruku, pois o neodesenvolvimentismo em
curso atinge a todos os povos, os quais desde o governo Lula são tachados de
obstáculos à implementação desse modelo, por se insurgirem, contra a sua lógica
economicista, neocolonial e mercantilista, de ocupação de territórios,
inclusive com o uso da força, de medidas repressivas, acompanhadas de campanhas
enganosas e de descaracterização, como nos tempos da ditadura, outrora
combatidos pelos hoje autores da nota governamental.
A
APIB lamenta que o governo, que por mandato constitucional deveria zelar pelos
direitos dos povos indígenas, se assuma hoje como o porta-voz das forças
inimigas que almejam a extinção dos nossos povos, para destruírem nossos
territórios e se apropriarem dos bens neles existentes preservados milenarmente
pelos nossos ancestrais.
A
nossa organização alerta ainda para os riscos desse tipo de pronunciamento que
só vem legitimar o ódio, as ameaças e práticas de violência que os setores
antiindígenas promovem contra as nossas comunidades e lideranças, atos que nos
últimos dois anos tem se agravado em razão do respaldo legal que esse governo tem
dado aos invasores dos territórios indígenas por meio de portarias e decretos
inconstitucionais, destinados a desconstruir os direitos originários e
facilitar a abertura desses territórios à exploração brutal dos
neocolonizadores.
Ao
contrário dos índios, que supostamente tem “se conduzido sem honestidade
necessária a qualquer negociação”, foi o Governo Dilma, que assim agiu, pois
enquanto estava em andamento o processo de regulamentação da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre o direito de consulta
livre, previa e informada, sob comando da própria Secretaria Geral da
Presidência, este publicou, em 17 de julho de 2012, a Portaria 303, que atenta
frontalmente contra esse direito. O governo, então, contraditório como ninguém,
não pode falar de honestidade.
Em
função disso, até não ser revogada a tal Portaria, o movimento indígena se
negou a fazer parte desse processo de regulamentação, que não foi, como disse o
governo, totalmente transparente. Até porque o procedimento desconsidera a
participação dos nossos povos já na fase de planejamento dos “programas de
desenvolvimento regional e nacional”, conforme estabelece a 169, e não depois
que os projetos foram aprovados.
Se
a normatização não aconteceu, por conta dessa vergonhosa contradição, como é
que o governo pretende fazer consultas aos povos indígenas, mesmo em caráter de
laboratório? Ora, com os últimos pronunciamentos, o governo confirma a sua
única pretensão ao querer regulamentar a Convenção 169 que é obter o consentimento
dos povos e comunidades indígenas à implementação dos grandes empreendimentos
nos seus territórios, mesmo que isso signifique a programação de sua morte
física e cultural, danos e crimes contra o meio ambiente e a biodiversidade.
A
acusação de que os indígenas se opõem aos empreendimentos simplesmente “porque
estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro” é insincera e inaceitável, uma
vez que tenta desqualificar a luta que todos os povos, incluindo os Munduruku,
desenvolvem há séculos na defesa de seus territórios, a partir de uma
cosmovisão peculiar de relação com a Mãe natureza e que os atuais tanques
pensantes do Planalto já defenderam rigorosamente em outros tempos, quando
militantes da causa indígena. Por outro lado, o governo quer justificar a sua
inoperância na proteção das terras indígenas e na falta de capacidade ou de
vontade de oferecer aos nossos povos condições de sustentabilidade. No mesmo
processo de relação com o povo Munduruku essa deficiência ficou provada, pois
depois das reuniões com o Secretário Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e
seus notáveis auxiliares, foi prometido aos índios que nos seguintes dias o
governo iria compensar os danos da Operação Eldorado, e apoiaria o plano da
FUNAI de enviar uma equipe técnica para área com objetivo de pensar junto com
os índios um programa de etnodesenvolvimento. Até hoje nada disso aconteceu.
Pateticamente só se fala de consulta e da necessidade de fazer crescer o país –
a qualquer custo, é claro. Se a prática do garimpo é ilegal e há envolvimento
de indígenas com essa atividade, a responsabilidade é do Estado, que
erroneamente quer resolver os problemas recorrendo a ilegalidades, como a não
observância dos tratados internacionais, da Constituição Federal e o uso de
medidas repressivas.
A
APIB rechaça a pretensão do governo ou de seus representantes de se atribuírem
a prerrogativa de dizer quem é ou não liderança legitima, pois com isso atenta
mais uma vez contra o direito dos nossos povos e comunidades a exercerem a sua
autonomia. É tristemente lamentável que o Governo Dilma tenha se configurado
nos últimos tempos como um governo autoritário claramente alinhado aos
interesses das classes que sempre dominaram e exploraram as maiorias deste
país.
Brasília-DF,
07 de maio de 2013.
ARTICULAÇÃO
DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
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