O
potencial hidrelétrico, da mesma forma que a biodiversidade, é uma riqueza,
diz
o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Mauricio
Tolmasquim,
ao reconhecer que o grande desafio na região da bacia do Tapajós é
"construir preservando o máximo possível".
O
potencial hídrico dos rios e seus afluentes espalhados pelo Amazonas,
Mato
Grosso e Pará, segundo os inventários, indica que é possível construir
ali
mais de 40 Hidrelétricas e conseguir 28 mil MW. No plano em
curso
atualmente,
as usinas são oito, mas o potencial da região torna a bacia
hidrográfica
do Tapajós a mais importante do país.
Em
entrevista ao Valor, o engenheiro explica as diferenças de projetos entre
Hidrelétricas
em lugares muito povoados da Amazônia, como as do Madeira,
em
Rondônia, e as do Tapajós, onde a Biodiversidade é muito rica,
pouco
conhecida,
e a população indígena, muito numerosa. "Não se pode construir
uma
usina a ferro e fogo", diz. A seguir, trechos da entrevista:
Valor:
Como avalia o modelo desenvolvido pelo WWF e TNC?
Mauricio
Tolmasquim: É um instrumento de planejamento para que se
olhe
a variável ambiental desde o início, quando se começa a discussão sobre
qual
usina construir. É o top do mundo. Possibilita traçar alvos e metas, e
então
se
vê, em cada caso, quanto pode ser preservado ou não. Tem também um aspecto
qualitativo interessante. Pode haver uma espécie que só existe em certo local
e outra que é comum a vários subsistemas. Se existe algo com certa
abundância, o impacto da perda é menor do que quando não se tem muitos
exemplares. Essa metodologia permite fazer essa análise. É um instrumento
que traça cenários. A tomada de decisão vai depender evidentemente de um
debate e de outros fatores.
Valor:
Como pode funcionar?
Tolmasquim: Os
técnicos da EPE fazem um relatório, os do Ministério do Meio
Ambiente, outro, e depois temos reuniões para convergir e discutir a melhor
opção. É um instrumento de diálogo técnico-científico. Não é um modelo que vai
dar a solução, mas um mecanismo complementar que permite olhar os
"trade-offs", os conflitos de escolha e onde se pode equilibrar
conservação de Biodiversidade com o aproveitamento do potencial
hidrelétrico.
Valor:
Similar à Avaliação Ambiental Integrada, a AAI, que agora
entra
em cena?
Tolmasquim: São
coisas diferentes. A Avaliação Ambiental Integrada é um
instrumento
importante do processo de Licenciamento. É o que permite que se
vejam
os efeitos sinérgicos e cumulativos de todas as usinas em um rio, como
será com elas funcionando conjuntamente. A AAI está no marco regulatório
do setor. Já este Sistema de Apoio à Decisão (SAD) na Amazônia é
um instrumento novo, uma técnica que estamos testando, um elemento a mais
para a tomada de decisão.
Valor:
O inventário apontou que a bacia hidrográfica do Tapajós
poderia
ter mais de 40Hidrelétricas?
Tolmasquim: Pelo
inventário do Teles Pires, Juruena e Tapajós são 42 usinas.
Isso
não significa que serão construídas, o que está em planejamento é outra
coisa. Mas no inventário há potencial para sete usinas no Tapajós, 29 no
Juruena e seis no rio Teles Pires. São desde usinas bem pequenas até
grandes.
Valor:
O último Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) prevê
oito
usinas?
Tolmasquim: O
último PDE tem oito usinas na região no planejamento até 2021.
São
quatro no Teles Pires - Colider (342 MW) e Teles Pires (1820 MW) que já
estão
em construção, Sinop (461 MW), que deve ir a leilão possivelmente em
agosto, e São Manuel (746 MW), onde ainda temos que fazer audiência
pública. No rio Tapajós são outras duas, São Luiz do Tapajós (6133 MW),
que está em estudos e provavelmente vamos leiloar em meados do ano que vem, e
Jatobá (2338 MW). Por fim, no Juruena, São Simão (3509 MW) e Salto Augusto
(1461 MW), que ainda nem se iniciaram os estudos. Isso não quer dizer
que as outras estão abandonadas, apenas não estão ainda no horizonte do
planejamento. Os estudos serão úteis para a discussão no futuro.
Valor:
De que forma?
Tolmasquim: Na Amazônia há
dois tipos de usinas, dois modelos. Um deles é para áreas antropizadas,
onde há muita atividade humana, que é o caso das usinas do Madeira, em
Rondônia, e de Belo Monte, no Pará, onde 70% do entorno são
fazendas. Nessas áreas, muitas vezes longínquas, com uma considerável
população pobre
vivendo
em situação precária, a usina é vista como vetor de desenvolvimento
regional.
As
condicionantes da obra levam o tratamento de esgoto aos municípios, melhoram
o sistema de saúde. Nesses casos, as usinas podem significar
desenvolvimento regional e também preservação ambiental, com a obrigação de
criar áreas de conservação, recompor a mata ciliar. Obrigações
que procuram reverter o processo de degradação e proporcionar
desenvolvimento regional.
Valor:
E o outro tipo de usina?
Tolmasquim: O
Tapajós é uma área pouco antropizada. O grande desafio ali não é desenvolver, é
construir preservando o máximo possível. Por isso a ideia das usinas
plataformas, pensando em que as áreas onde ficariam os operários da obra sejam
temporários e que não se formem cidades, que pessoas não se estabeleçam ali e
que as áreas mexidas sejam reflorestadas.
(Importante frisar que só
depois de prontas essas usinas funcionariam no esquema plataformas, durante
todo o processo de construção elas teriam sim um canteiro de obras com
alojamentos e todos os seus problemas sociais, sem falar das grandes
perdas ambientais)
Valor:
Isso é realmente viável?
Tolmasquim: O
único país do mundo que tem esse imenso potencial hídrico na
floresta
é o Brasil. Temos que pensar soluções para o nosso caso, que é muito
específico. Temos esse potencial em um bioma bastante sensível, do ponto de
vista da Biodiversidade, temos que criar soluções adequadas para essa
questão. Existem dois extremos - de um lado, uma visão totalmente
conservacionista, de querer deixar tudo como está e não mexer em nada. Do
outro, uma visão ultradesenvolvimentista, vamos aproveitar todos os recursos,
com o impacto que for. Estamos buscando o que está no meio dessas duas
linhas.
Valor:
Qual é esse meio termo, na sua visão?
Tolmasquim: O
potencial hidrelétrico, da mesma forma que a Biodiversidade,
é
uma riqueza. Temos a matriz energética que menos emite gás estufa do
mundo. Não vamos aproveitar todo o nosso potencial hidrelétrico de lá.
Belo Monte, do ponto de vista de engenharia não é um projeto onde se visou
produção de energia máxima. Não é que a engenharia não saiba fazer uma
usina, poderia gerar mais se tivesse um reservatório grande, mas o impacto
disso não seria aceitável. Mas não terá os impactos negativos que poderia ter.
Esse meio termo é o que buscamos, esse é o debate.
(Nenhum governo se propôs a
discutir a matriz energética brasileira, cada um veio e implantou o que
lhe favorecia economicamente. Esse tipo de discussão deve ser feita com o povo)
Valor:
E a preservação é uma variável importante?
Tolmasquim: No
caso do Tapajós, não tenho dúvida. Não se pode construir uma
usina
a ferro e fogo, destruindo todos os Ecossistemas. É claro que esse modelo
vai contrariar tanto o pessoal que quer otimizar o uso daquela bacia, que não
está usando da forma ótima, como vai contrariar os que desejam preservar
intocado aquele ambiente. É preciso ter uma solução de compromisso. O
potencial do Tapajós, Teles Pires e Juruena é de 28 mil MW - isso é o que
é possível, não o que será feito. O que será feito é o que vamos ver no
futuro. Só uma parte pequena está planejada.
Valor:
Essa bacia é a mais importante como potencial hídrico do país, representando
25%?
Tolmasquim: Sim,
entre as que não foram exploradas ainda. O que precisamos agora é criar
elementos importantes para o diálogo entre as áreas. Não necessariamente todo
mundo vai concordar no fim, mas isso faz parte do processo.
Valor: E
a questão indígena?
Tolmasquim: É
o tema mais importante no planejamento de hoje. (DC)
(cri
cri cri cri cri)
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