quarta-feira, 31 de julho de 2013

MPF quer suspensão de projeto hidrelétrico no Pará



O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão do licenciamento ambiental do projeto da usina hidrelétrica de Cachoeira dos Patos, no rio Jamanxim, no complexo hidrelétrico da bacia do Tapajós, no oeste paraense.

A Procuradoria da República em Santarém encaminhou a recomendação à União, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), à Eletrobras e à Eletronorte.

O MPF quer que o licenciamento seja interrompido até a apresentação e aprovação da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) e estratégica (AAE) dos impactos ambientais e sociais decorrentes da implantação da usina, por meio de equipe multidisciplinar e com participação social.

A recomendação alerta, ainda, para a necessidade de realização de consulta prévia aos povos indígenas e demais povos tradicionais localizados na área afetada pela instalação da usina. Se concluído, o projeto afetará o Parque Nacional do Jamanxim, a Área de Proteção Ambiental do Tapajós e o corredor Ecótonos Sul-Amazônicos (área de alta riqueza biológica entre os biomas do Cerrado e da Amazônia).

A recomendação pede que os notificados apresentem informações acerca do estágio de desenvolvimento do empreendimento, como Estudos de Inventário Hidrelétrico da Usina, informações atualizadas e cronogramas do licenciamento ambiental e dos trabalhos de campo.

Assinam a recomendação os procuradores da República Luiz Eduardo Hernandes, Carlos Raddatz e Ticiana Nogueira.

Os órgãos notificados têm prazo de 45 dias para se manifestar sobre o acatamento ou não das recomendações apresentadas pelo MPF, e, mais 15 dias para apresentarem as documentações e informações exigidas, contados a partir do fim do prazo para a manifestação acerca do acatamento, ou não, da recomendação.
A recomendação foi expedida nesta segunda-feira (29). O prazo para resposta começa a valer assim que os destinatários receberem os documentos. Se as respostas não forem apresentadas ou forem consideradas insuficientes, o MPF pode tomar medidas administrativas e judiciais. Órgãos responsáveis têm 45 dias para se manifestar sobre as recomendações para realização de avaliações de impacto e de consulta prévia a povos atingidos.

Fonte: Diário do Pará com informações do MPF-PA. Figura sobre mapa elaborado por Juan Doblas.

terça-feira, 23 de julho de 2013

MPF investiga concessão florestal de 440 mil hectares na flona do Crepori, no Pará

A concessão, que tem contrato de duração de 40 anos, pode ter sido feita ignorando relatório encomendado pelo ICMBio

23/07/2013 às 10h48

O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém iniciou investigação sobre o edital de concessão da Floresta Nacional (flona) do Crepori, no sudoeste do Pará. De acordo com denúncia de pesquisadores, a área a ser concedida tem ocupação de comunidades tradicionais, que podem ser prejudicadas pela entrada de madeireiros. 
A legislação proíbe que áreas ocupadas por comunidades tradicionais sejam incluídas na concessão florestal. Apesar de registrar a existência de comunidades na área, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), sem muitas explicações, considerou que as existentes na flona do Crepori não são tradicionais, informa o MPF.
Os pesquisadores Maurício Torres e Juan Doblas percorreram a região a pedido do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e constataram a existência de populações tradicionais nas proximidades do rio das Tropas. O estudo foi entregue tanto para o ICMBio quanto para o SFB no ano passado. 
Mesmo assim, em 2013 a área entrou no leilão de florestas. O edital de concessão florestal foi aberto em 30 de maio e vai aceitar propostas até 26 de novembro. São 442.388,24 hectares tornados disponíveis para exploração na flona, localizada nos municípios de Itaituba e Jacareacanga.
O procurador da República Carlos Eduardo Raddatz Cruz, responsável pela investigação, deu prazo de dez dias para que o SFB e o ICMBio, responsável pela administração da flona, enviem informações sobre a existência de populações tradicionais na área objeto de concessão.

O pesquisador Maurício Torres foi nomeado perito e também deve responder a questionamentos do MPF com base em seus estudos na área. Além de elucidar a ocupação da área por comunidade tradicional, o MPF também quer saber sobre a presença de indígenas Mundurukus, já que a flona do Crepori faz divisa com a Terra Indígena Munduruku. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Deputado relator do PLP227 afirma que críticas ao projeto são “abobrinhas”




O deputado federal Moreira Mendes (PSD-RO), relator do Projeto de Lei Complementar 227/2012 na Comissão de Agricultura da Câmara,subiu à tribuna no último dia 17 de julho para criticar aqueles a quem denominou de “agourentos de plantão”. Mendes afirmou que recebera críticas por meio de redes sociais contra o projeto.

Na tarde da última terça-feira (16 de julho), um tuitaço com o assunto #GolpePLP227Não chegou ao segundo lugar entre os assuntos mais comentados na rede social em todo o mundo. O deputado, que participa do twitter com o perfil @moreiramendes55, foi extremamente criticado por defender o projeto que ameaça os direitos territoriais dos indígenas. 

Saiba mais sobre o PLP 227/2012 AQUI.

Em seu discurso, Mendes atribuiu à manifestação à pessoas que desconhecem o assunto e a “agourentos de plantão”. “Os comentários feitos nas redes sociais estão completamente desprovidos de conteúdo. Esses ongueiros, essa quadrilha de antropólogos, como já foram denunciados inúmeras vezes por aí, não têm interesse nenhum em regularizar a terra indígena. Querem, na verdade, usar o índio como massa de manobra para os seus interesses escusos”, disse o deputado que afirmou ainda que as críticas não passam de “abobrinhas”.

Além do pronunciamento em plenário, a assessoria de imprensa do deputado produziu uma matéria na página do parlamentar repercutindo o assunto.

“Nós da bancada ruralista defendemos sim as comunidades indígenas. Os conflitos estão sendo gerados por conta dessa irracionalidade de algumas pessoas da Funai, que é permeada por esse ranço ideológico, vencido e ultrapassado que não existe mais”, disse o deputado em fala destacada pela matéria.

Trabalho degradante
Além de repercutir o tuitaço contra o PLP 227, Mendes criticou o artigo do professor Vladimir Safatle, publicado no jornal Folha de São Paulo, edição de 16/07, no qual aponta a revolta de operários da usina hidrelétrica de Jirau ocorrida em 2011 como um ensaio geral para as manifestações de junho que tomaram conta do país. No artigo, o professor da USP aponta as “condições degradantes de trabalho” como causa daquela revolta.


Mas, segundo o parlamentar, trata-se de um exemplo inadequado e inaceitável.

“Quero lembrar que duas das três maiores obras em construção no País estão em Rondônia: hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau. Perdoe-me o Sr. Vladimir, mas o senhor não conhece a realidade. Lá não há e nunca houve nada de trabalho degradante, ao contrário, os trabalhadores dessas duas grandes obras seguramente são os mais bem pagos do setor no País, e os que têm as melhores condições de trabalho, a ponto de terem, todos eles, dormitório até com ar-condicionado”, afirmou o deputado.

Folha corrida
Em 13 de dezembro de 2012, o deputado Moreira Mendes foi condenado por improbidade administrativa por desvio de recursos do Poder Legislativo Estadual.
Para o Tribunal de Justiça de Rondônia, a ausência de observância de procedimentos legais na contratação e as ilegalidades cometidas no fornecimento de passagens aéreas (cancelamento de passagens pagas e reembolso ao titular do bilhete; venda de bilhetes em duplicidade; divergência de valores na emissão do bilhetes e das faturas; cobrança de passagens sem emissão de bilhetes) são atos suficientes para configurarem atos de improbidade na forma prevista na Lei n. 8.429/92.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Código da Mineração: “a urgência é do mercado”, afirma Carlos Bittencourt

Para o pesquisador do Ibase, objetivo dos formuladores da proposta é “captar um pouco mais de royalties para o Estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor”

17/07/2013
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

A votação em regime de urgência do novo Código da Mineração demonstra a “a velha (ir-)razão patrimonialista e autoritária do Estado brasileiro”, declara Carlos Bittencourt à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Se as propostas de alteração do Código da Mineração estão sendo debatidas “em sigilo” há quatro anos, “por que o poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões?”, questiona.
Para ele, o regime de urgência demonstra a postura do Estado brasileiro “contra o debate e a participação da cidadania”.
De acordo com Bittencourt, os movimentos sociais e representantes da sociedade civil não tiveram acesso à proposta do novo Código da Mineração. “O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil”, informa.
Por outro lado, lamenta, “as empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos roylaties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial”.
Na avaliação do pesquisador, o novo Código da Mineração é “desumano”, pois não considera as condições de trabalho dos trabalhadores, nem a situação dos afetados pela mineração. “Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações”, assinala. E dispara: “O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis”.
Carlos Bittencourt é historiador e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas  Ibase.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por quais razões o projeto de lei que propõe a substituição do Código da Mineração será votado em regime de urgência no Legislativo?
Carlos Bittencourt – Do ponto de vista da sociedade civil e da razão democrática, não há qualquer razão. A única (ir-)razão aparente para a apresentação da proposta em regime de urgência é a velha (ir-)razão patrimonialista e autoritária do estado brasileiro. O motivo, mais do que a razão, é o impedimento do debate público, do envolvimento da cidadania brasileira nesta decisão tão importante e que envolve a todos.
O Código atual é de 1967, o governo vem debatendo a nova proposta há quatro anos. Mas por que agora o poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões? Durante os quatro anos de sua elaboração, a proposta foi mantida em sigilo. Olhando dessa perspectiva, só é possível ver o regime de urgência como um ato contra o debate e a participação da cidadania.
E a resposta à pergunta sobre a razão pela qual se quer evitar o debate me parece mais simples: para não se encarar o quanto a estratégia pública e privada da exploração mineral brasileira está baseada na dilapidação dos territórios, das reservas nacionais de minérios e na reprimarização da nossa economia. Se há urgência, ela é a urgência do mercado. A democracia exige ritmos de debates completamente distintos dos ritmos do mercado.

Qual a urgência em alterar o Código?
Como disse, a alteração da lei precisa respeitar os tempos e os ritmos da democracia. Há muitas urgências envolvendo o debate da mineração no Brasil e para saná-las é necessário um amplo debate público envolvendo o conjunto da cidadania brasileira e, especialmente, aqueles e aquelas que são afetados cotidianamente pela mineração. É urgente encararmos de frente os problemas causados pela mineração.
Por exemplo, alguém sabe que a mineração consumiu em 2012, segundo dados incompletos da Agência Nacional de Águas, cerca de cinco quatrilhões de litros de água através de seus pedidos de outorgas? E que mais uma quantidade não mensurada foi consumida nos processos de drenagem das minas, que quanto mais se aprofundam mais atingem as águas subterrâneas e locais de armazenamento geo-hidrológico. E que, por fim, um sem número de rios, mananciais e águas subterrâneas foram contaminadas em níveis extraordinariamente superiores aos permitidos pela Organização Mundial de Saúde, com substâncias como o mercúrio, o cianureto e as drenagens ácidas?
O número de famílias que estão sendo direta e indiretamente afetadas pela mineração é a cada ano maior. São pessoas que têm de deixar os locais onde viviam há décadas, às vezes séculos; que sofrem com a logística da mineração; cidades que sofrem gigantescos fluxos migratórios para a instalação das minas que quando iniciam sua operação não empregam sequer a terça parte dessa mão de obra inicial, causando uma crise nos serviços públicos locais e instituindo o problema da prostituição, inclusive infantil.
Também é urgente sair desse modelo que, impulsionando irrefletidamente a extração mineral, torna nossa economia cada vez mais primária exportadora, dependente dos voláteis preços das commodities minerais, o que pode, de uma hora para a outra, fazer enormes danos econômicos às contas públicas, como agora está se verificando com o crescente déficit da balança comercial brasileira.
Nenhuma dessas preocupações foi levada a sério na proposta do novo Código da Mineração, o que me faz crer que a única urgência na cabeça dos formuladores da proposta é captar urgentemente um pouco mais de royalties para o estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor. A urgência é a urgência do mercado.

Como estão ocorrendo as negociações para alterar o Código da Mineração e que setores da sociedade participam?
Esse foi um processo superfechado. O professor da UFJF, Rodrigo dos  Santos, analisou os dados que o governo divulgou sobre a participação no processo de elaboração da proposta. De acordo com ele, participaram das discussões 189 representantes diferentes, sendo, em sua grande maioria, representantes ministeriais: Ministério de Minas e Energia – MME, Ministério do Meio Ambiente – MMA, Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Em menor número estiveram presentes representantes da Vale S.A. e do Ibram. Já os sindicatos, movimentos sociais e ONGs setiveram praticamente ausentes nessas discussões.
Apesar de os movimentos sociais lançarem a campanha “Queremos debater o novo Código da Mineração”, até a sua apresentação ao Congresso não se teve sequer acesso à proposta. O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil.
É sabido que as empresas tiveram acesso à proposta, conforme foi divulgado na imprensa e em seminários do setor empresarial. As empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos roylaties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial.

É preciso alterar o Código da Mineração, considerando que foi elaborado há 40 anos?
Sim, é preciso. O Código atual foi elaborado pela ditadura e traz consigo as marcas desse período autoritário, tanto do ponto de vista da sua forma política como na maneira de entender os territórios e territorialidades.
Por exemplo, na época da elaboração do Código atual, o Brasil não era signatário da Convenção 169 da OIT, que garante às comunidades indígenas e tradicionais o direito de serem consultados previamente de forma livre e informada sobre a instalação de grandes empreendimentos em seus territórios. Hoje o Brasil é signatário e deveria obrigatoriamente levar isso em conta.
Naquela época, todo o debate sobre direitos da natureza, mudanças climáticas, bens comuns, se encontrava muito incipiente. Hoje já se sabe dos impactos potenciais de seguir desenvolvendo esse modelo de extrair mais, produzir mais, consumir mais e jogar mais coisas no lixo. Está claro que vivemos em um mundo finito, onde não é possível seguir crescendo infinitamente.
Por fim, uma mudança fundamental e necessária em um período democrático é construção de vias de acesso para a cidadania influir no planejamento do setor. É óbvio que o debate sobre se o minério de ferro brasileiro vai acabar em 80 ou 600 anos é do interesse de todos. Sob o marco da nova Constituição Federal, chamada por muitos de Constituição Cidadã, devemos construir um código da mineração mais democrático do que o apresentado pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco.

Quais são as propostas do atual projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
Há basicamente modificações significativas em três dimensões na proposta atual frente à antiga. Uma mudança processual, uma fiscal e uma organizativa.
A primeira diz respeito ao processo de concessão dos direitos minerários e significa uma melhora com relação ao Código atual. O mecanismo de prioridade, onde quem faz o requerimento minerário primeiro (mesmo pessoas físicas) fica com a licença para pesquisas e explorar os minérios, será substituído por um sistema de emissão de licenças similar ao modelo de concessões petrolíferas, onde o governo estabelece os blocos a concessionar e as empresas concorrem para conseguir a operação nessas áreas.
Outra mudança diz respeito à arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais –CFEM, que poderá ter alíquota máxima de 4% e incidirá sobre a receita bruta das empresas. Atualmente a CFEM incide sobre a receita líquida. Infelizmente, aqui houve um recuo importante do governo frente às empresas, pois abaixou a alíquota máxima de 6% para 4% e retirou da proposta a taxação especial para minas de alta lucratividade.
O governo propõe a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral e a sua substituição por uma Agência Reguladora, que se responsabilizaria pela normatização e fiscalização do setor. Cria também o Conselho Nacional da Mineração, composto apenas por ministros indicados pelo presidente da República e dá mais poderes para o Serviço Geológico Nacional – CPRM na pesquisa e gestão das informações geológicas do Brasil.
Acredito que algumas dessas mudanças apontam em um sentido positivo, de um pouco mais de controle público sobre a operação privada do setor. Mas pensando a questão da mineração em seu conjunto e mesmo comparando com as normativas de outros países, vemos que essas medidas são bastante insuficientes.

Quais são suas principais críticas ao projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis. Em certa medida, em um governo menos dominado pelos ruralistas, poder-se-iam alterar os limites de proteção das florestas para uma área maior do que a anterior às mudanças propostas no Código Florestal e, com o passar do tempo, reflorestar essas áreas. Com a mineração não. Não há segunda safra na mineração. O que se avançar sobre as reservas de minérios do país, exportando-as, será um avanço irrecuperável.
Outra crítica tão importante quanto à primeira é que não há qualquer menção a pessoas ou comunidades na proposta: é um código desumano, por assim dizer. As pessoas não aparecem nem como trabalhadores de um dos setores econômicos que mais mata, mutila e enlouquece seus operários, nem como os afetados pela mineração nos territórios que têm suas roças inviabilizadas pela contaminação das águas ou pela apropriação do solo. Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações.
Um terceiro problema, que complementa e intensifica os anteriores, é a total privatização dos bens naturais. Após a privatização do Sistema Mineral Brasileiro na década de 1990, os recursos minerais apenas formalmente são bens da União, enquanto não estão sendo explorados. Quando se inicia a exploração mineral, quem decide como, quanto e em que ritmo os minérios devem ser extraídos são as empresas privadas, levando em conta apenas as dinâmicas do mercado. Em muitos casos são empresas estrangeiras que determinam o planejamento sobre a produção mineral como, por exemplo, na extração de ouro, na qual 80% da extração é feita por empresas de fora do país. Não há um controle público sobre a extração e isso dificulta que os benefícios advindos daí retornem para a sociedade brasileira.

Quais são as reivindicações do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração?
A reivindicação número 1 é a retirada do regime de urgência. Se o governo mantém a proposta tramitando nesse regime, interpretaremos como uma falta de compromisso com o diálogo e o debate. A manutenção do regime de urgência inviabiliza a participação da cidadania e das comunidades afetadas na discussão.
Até aqui elaboramos sete pontos mínimos que, acreditamos, devem ser inseridos no debate. São eles: Democracia e transparência na formulação e aplicação da política mineral brasileira; direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras; definição de taxas e ritmos de extração, de acordo com planejamento democrático; delimitação e respeito a áreas livres de mineração; controle dos danos ambientais e estabelecimento de Planos de Fechamento de Minas com contingenciamento de recursos; respeito e proteção aos Direitos dos Trabalhadores; garantia de que a Mineração em Terras Indígenas respeite a Convenção 169 da OIT e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas. 
Essas propostas vêm dos territórios afetados, dos movimentos sociais do campo e da cidade, de pensadores de nossas universidades e ONGs, que compõem o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Diz respeito a questões muito concretas envolvendo a mineração no país. Em torno delas temos debatido e apresentado emendas ao projeto na Câmara Federal. É evidente que esses são temas que não podem ficar de fora e representam muitas entidades e movimentos sociais do Brasil.


(Foto: Agência Vale)

No bunker dos ruralistas, cardápio de lobbies

Por Evandro Éboli*

É numa mansão de dois andares financiada por empresas privadas do agronegócio, no nobre bairro do Lago Sul de Brasília, que funciona o bunker da forte bancada ruralista do Congresso Nacional. Os deputados se reúnem ali num almoço toda terça-feira e traçam suas estratégias de ação no Câmara: que projetos aprovar, quais rejeitar e como pressionar o governo. Os senadores desse grupo também se reúnem na casa.

No dia 2 deste mês, um convite indicava o cardápio do encontro. “Três apetitosos pratos: como entrada, a audiência com a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente), para falar do Código Florestal”; “logo depois, será servido o indigesto prato da PEC do Trabalho Escravo”, tema que causa ojeriza aos ruralistas. Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência e interlocutor dos movimentos sociais, parece ser sempre o “prato do dia”. Na última terça, foram oferecidos cinco pratos, “que vão despertar a percepção gustativa dos comensais”, informava boletim da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

No encontro da última terça, acompanhado pelo GLOBO, 30 deputados ruralistas traçaram uma estratégia que era verdadeira chantagem ao governo. Eles decidiram que colocariam na pauta da Comissão de Agricultura da Câmara do dia seguinte, na quarta, a convocação de três ministros — Gilberto Carvalho, José Eduardo Cardozo (Justiça) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil) —, o que foi feito. Os três ministros estiveram recentemente em audiência pública nesse colegiado. Nessa comissão, os ruralistas são ampla maioria. Para retirar as convocações, exigiam a votação da urgência de um projeto, do líder ruralista Homero Pereira (PSD-MT), que dificulta a demarcação de terras indígenas, outro empecilho para o agrobusiness.

Deputado da base liderou estratégia contra governo
O último encontro na mansão dos ruralistas tinha um líder: o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fernando Giacobo (PR-PR). Ele é da base do governo:

— Quero me colocar à disposição para ir lá cobrar, como fiz com a Gleisi. Disse que, se não pautasse nesta semana (terras indígenas), ia apresentar novamente a convocação dela... Se não, pautamos todos os requerimentos de convocação de tudo que é ministro. Acabou a conversa — disse, aplaudido por alguns.

 — Para ficar mais interessante, o Giovanni (Queiroz, do PDT-PA) faz o requerimento da Gleisi de novo. Vou pautar a convocação.

— Vamos cansar esses caras — disse Giovanni Queiroz.

O projeto das terras indígenas, de interesse dos ruralistas, seria apreciado no plenário, mas a votação dos royalties para a Educação e a obstrução do PSOL e do PV, contra o projeto de Homero Pereira, impediram sua inclusão na ordem do dia.

No encontro, o coordenador da bancada, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), mirou nos adversários no Congresso e citou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP). Heinze se referia a críticas do deputado aos ruralistas, numa audiência na comissão.

— O Ivan Valente foi bem claro: “Agora vocês vão ver as ruas”. Ele foi claro nas ameaças, nessa questão indígena. Mas entre ameaçar e fazer vai uma distância — disse Heinze.
Procurado pelo GLOBO, Valente se surpreendeu:

— Eu, ameaça?! O que coloquei é que a pauta deles não é a mesma dos que estão nas ruas.
Ainda no almoço, os ruralistas demonstraram preocupação com as mobilizações populares.

— Não temos o poder de mobilização que os jovens têm — reconheceu Heinze.

— Se eles são fortes, nós somos mais fortes ainda — disse Domingos Sávio (PSDB-MG).

Paulo César Quartiero (DEM-RR) defendeu praticamente a deposição da presidente Dilma Rousseff:

— Não precisamos de plebiscito já, mas de eleição para presidente já. Olha o que ocorreu no Paraguai. O bispo (ex-presidente Lugo) saiu, a paz voltou no campo. É o que precisa aqui — disse Quartiero, que, durante a demarcação da área Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi preso pela Polícia Federal.

No encontro, estava o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, próximo ao grupo. Durante a reunião, nada falou. Na saída, disse que a bancada dá suporte extraordinário à pasta e que foi lá tratar do Plano Safra.

— Mas não tinha clima. Volto semana que vem — disse Geller.

A mansão é financiada pelo Instituto Pensar Agro, de entidades privadas de setores como soja, algodão e cana-de-açúcar.

*Fonte: O Globo
Via Blog Língua Ferina

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Complexo Hidrelétrico do Tapajós: Governo não cumpre palavra com mundurukus e pesquisas são retomadas no Tapajós

 


Pouco menos de um mês após assegurar ao povo munduruku que estaria suspendendo as pesquisas para elaboração de estudos de impacto ambiental para construção de hidrelétricas no rio Tapajós, no Pará, o governo acaba de autorizar a entrada de pesquisadores para “fazer coleta e captura de material biológico para os estudos ambientais da Hidrelétrica de Jatobá”.

A informação foi obtida pela pesquisadora 
Telma Monteiro que divulgou uma autorização dada pelo Ibama à empresa Concremat Engenharia e Tecnologia S/A. O documento data de 15 de julho de 2013, portanto após o anúncio feito por representantes do governo aos mundurukus, e é válido por 8 meses. Veja cópia do documento AQUI.

É previsto o levantamento da fauna (mamíferos, aves, peixes, répteis e insetos) na área de influência da hidrelétrica para embasar os Estudos de Impacto Ambiental – EIA da mesma. Ao todo, 33 pesquisadores foram autorizados pelo órgão ambiental a realizar pesquisas na área que visa assegurar o licenciamento da obra.

Foto: Maurício Torres


Jatobá, se construída, atingirá dezenas de famílias “beiradoras”, que ocupam a região de Montanha-Mangabal, numa faixa de terras entre a rodovia Transamazônica e a margem esquerda do rio Tapajós. A ocupação originária remonta o processo de territorialização de seringueiros, ainda no século XIX.

Após conquistarem judicialmente o direito de permanecer em seu território em 2006, depois de quase serem expulsas pela empresa Indussolo, que se dizia proprietária da área, as famílias agora podem ser expropriadas pelo complexo hidrelétrico. A criação de uma Reserva Extrativista (Resex) no local foi paralisada pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Além de inundar parte das terras do beiradores, como esses se autodenominam, Jatobá deverá seccionar o território de Montanha-Mangabal em dois, com a barragem separando os moradores a montante e a jusante da hidrelétrica.

Urgente: golpe parlamentar contra direitos indígenas é grave ameaça à Constituição

Márcio Santilli*
15/07/2013


A manobra urdida no “colégio de líderes” da Câmara dos Deputados, na semana passada, e que ainda poderá se consumar, nesta semana, pretende revogar, sem qualquer discussão, o capítulo “Dos Índios” da Constituição brasileira. Trata-se de um requerimento para se votar, em regime de urgência, um projeto de lei complementar (PLP) que permite legalizar latifúndios, implantar assentamentos de reforma agrária, abrir estradas, construir hidrelétricas e cidades, explorar minérios e outros recursos naturais em terras indígenas (saiba mais).

O parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição prevê a edição de uma lei complementar para regular as situações extremas em que o “relevante interesse público da União” imponha a exceção ao direito dos índios de usar, de forma exclusiva, seu território. Pois o projeto de lei em foco pretende travestir o interesse de proprietários de terra e de outros grupos econômicos em interesse público do próprio Estado.

Mas, se é que é possível, a aberração no processo legislativo em curso é ainda mais grave que o conteúdo de verdadeiro estupro aos direitos constitucionais dos índios. O tal PLP, de número 227/2012, havia sido aprovado na manhã da última quarta-feira pela Comissão de Agricultura e, no começo da tarde, já havia um requerimento assinado por vários líderes de partidos que, provavelmente, não leram o que assinaram. A comissão piorou um projeto oligárquico de autoria do deputado Homero Pereira (PSD-MT) e relatado pelo deputado Moreira Mendes (PSD-RO), ambos fazendeiros e membros da bancada ruralista.

O mais incrível é que a obra corporativista e inconstitucional da Comissão de Agricultura recebeu apoio de partidos políticos, foi avalizada pelo presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB-RN), e pelo líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), para que fosse imediatamente votada em plenário, sem qualquer discussão, sem a análise de quaisquer outras comissões e, pelo jeito, sequer com leitura! Como é possível aceitar que a Câmara altere o sentido da Constituição, em horas, por meio de um subterfúgio legislativo?

Henrique Alves tem uma dívida ética, pois, ao avalizar a manobra espúria, rompeu o acordo público feito com representantes dos povos indígenas, que haviam ocupado o plenário da Câmara em abril, após a ameaça de instalação de uma Comissão Especial para emendar o artigo 231 e paralisar a demarcação de terras no Congresso. Alves havia constituído uma comissão de negociação que deveria decidir sobre o encaminhamento de proposições legislativas de interesse dos índios. Assim mesmo, decidiu-se pela traição.

Pior ainda está sendo a falha ética do governo, pois a manobra ocorreu na mesma hora em que a presidente Dilma recebia 20 representantes indígenas no Palácio do Planalto para, supostamente, iniciar um diálogo direto, nunca experimentado em seu mandato. Pouco antes dos índios serem recebidos e o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, conceder entrevista expressando restrições ao PLP, o advogado-geral da União, Luís Adams, e a ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffman, orientavam o líder do governo a apoiar o regime de urgência para votar o projeto e rifar os direitos indígenas a toque de caixa. Esta proposta faz parte de um pacote de iniciativas que tem o mesmo objetivo, como a PEC 237, apresentada este ano e que permite a concessão da posse de até 50% de uma terra indígena por produtores rurais.

Observadores da cena perguntam-se se foi a presidente Dilma que tomou uma facada nas costas por parte dos seus próprios ministros, ou se foi ela que a aplicou nas costas dos índios.

Uma coisa é certa: se a manobra consumar-se, com a aprovação em regime de urgência do estupro aos direitos dos índios, a presidente e o presidente devem esperar por uma dura resposta.

Fonte: ISA