sábado, 28 de setembro de 2013

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Barroso reconhece direito indígena à terra como direito fundamental

 Fonte: Erika Kokay

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso negou, nesta segunda (23), oMandado de Segurança com pedido de liminar impetrado por parlamentares petistas contra a tramitação da PEC 215/2000.Impetrado em meados de agosto, o MS 32262 foi subscrito pelos deputados Padre Ton (PT-RO), Erika Kokay (PT-DF) e Cláudio Puty (PT-PA), e pedia que o Supremo suspendesse a tramitação e a criação da Comissão Especial destinada a analisar a PEC. Na decisão de caráter monocrático, Barroso reconheceu a inclusão do direito dos índios à terra entre a categoria dos direitos fundamentais, que não podem ser alterados por emendas constitucionais. A decisão levanta dúvidas sobre a constitucionalidade da PEC 215/2000, já que os direitos fundamentais são cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.

Veja aqui a íntegra da decisão de Barroso (clique sobre o link “Decisão Monocrática”). 

“Como recentemente observado por este Tribunal, não se trata aqui de um direito de propriedade ou de posse – no sentido que os termos assumem no direito privado –, mas de uma figura peculiar, de índole e estatura constitucional, voltada a garantir aos índios os meios materiais de que precisam para proteção e reprodução de sua cultura. Não é outra a orientação acolhida pelos tratados internacionais pertinentes, pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Como a cultura integra a personalidade humana e suas múltiplas manifestações compõem o patrimônio nacional dos brasileiros (CF/88, arts. 215 e 216), parece plenamente justificada a inclusão do direito dos índios à terra entre os direitos fundamentais tutelados pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição”, escreveu o ministro no despacho. 
O ministro justificou a recusa do pedido de liminar pelo fato de não haver, ainda, risco que justifique a intervenção do Judiciário no Poder Legislativo. “Por outro lado, estando o processo legislativo em etapa inicial, inexiste perigo na demora ou risco de ineficácia de eventual decisão futura, a ponto de justificar uma intervenção imediata do Poder Judiciário.”, completou ele. 
Para a deputada Erika Kokay, trata-se de uma vitória, apesar do indeferimento. “Me pareceu uma decisão muito sóbria, muito serena, a do ministro Barroso. É uma vitória dos povos indígenas, pois ajuda a consolidar o entendimento de que não é possível garantir a dignidade dessas populações sem o acesso à terra”, disse a deputada.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Governo paralisa licenciamento da usina Cachoeira dos Patos


Ibama disse que a suspensão não é em cumprimento à recomendação do MPF e sim porque o Instituto Chico Mendes se manifestou contrário à usina

24/09/2013


O Ministério do Meio Ambiente (MMA) enviou ofício ao Ministério Público Federal (MPF) em Santarém comunicando que está suspenso o licenciamento da usina hidrelétrica de Cachoeira dos Patos, prevista para o rio Jamanxim, em Itaituba, no complexo hidrelétrico da bacia do Tapajós, no oeste paraense. O ofício está assinado pelo secretário executivo do Ministério, Francisco Gaetani e foi enviado no último dia 20 de setembro.
O MPF havia recomendado, em 29 de julho, a suspensão do licenciamento pelos mesmos problemas que se repetem em todas as hidrelétricas que o governo planeja para os rios Tapajós, Teles Pires, Jamanxim e Juruena, entre os estados do Pará e Mato Grosso. Para nenhuma dessas usinas foi feita Avaliação Ambiental Integrada (exigência da legislação ambiental brasileira) nem a consulta prévia com os povos indígenas afetados (exigência da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho). 
A Procuradoria da República em Santarém encaminhou a recomendação à União, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), à Eletrobras e à Eletronorte. O MMA apenas informou a suspensão no ofício de Gaetani. Junto, foram encaminhados documentos do Ibama, assinados pela diretora de licenciamento Gisela Damm, em que ela afirma que não vai atender a recomendação do MPF, mas que paralisou a usina porque o Instituto Chico Mendes (ICMBio) manifestou-se contrário ao projeto. De acordo com o documento, o alagamento de territórios de Unidades de Conservação impede a continuidade do projeto. 
Para a diretora de licenciamento do Ibama, não é necessário fazer a Avaliação Ambiental Integrada da bacia que será interrompida por mais de uma dezena de hidrelétricas, porque o órgão ambiental pode “exigir do empreendedor uma série de providências no sentido de salvaguardar o meio ambiente”. Nem é necessária a consulta prévia aos povos indígenas, já que de acordo com Gisela Damm, os índios podem participar das audiências públicas promovidas pelo Ibama. 
A visão equivocada expressada em documento e assinada pela diretora de licenciamento do Ibama preocupa o MPF, porque ignora a Convenção 169 e a Constituição brasileira, que também prevê consulta aos povos indígenas afetados por usinas. A consulta prévia não se confunde com as audiências públicas promovidas pelo Ibama. Várias instâncias da Justiça já se pronunciaram pela obrigatoriedade da consulta específica para índios e populações tradicionais em processos sobre hidrelétricas (veja aqui).

A usina de Cachoeira dos Patos, se construída, afetará o Parque Nacional do Jamanxim, a Área de Proteção Ambiental do Tapajós e o corredor Ecótonos Sul-Amazônicos (área de alta riqueza biológica entre os biomas do Cerrado e da Amazônia).

MPF pede suspensão do licenciamento da hidrelétrica de São Manoel Apesar do estudo dos impactos sobre os indígenas não ter sido concluído, Ibama agendou audiências públicas


23/09/2013 às 10h53

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a suspensão urgente de audiências públicas sobre o licenciamento ambiental da usina hidrelétrica São Manoel, projetada para ser construída no rio Teles Pires, na divisa dos Estados do Pará e Mato Grosso. O MPF pede que as audiências fiquem suspensas até que seja finalizado o estudo de medição de impactos da obra sobre os povos indígenas, chamado de estudo do componente indígena. 
O pedido de suspensão foi ajuizado no último dia 17. As próximas audiências públicas estão marcadas para os dias 27, 29 e 30 deste mês, em Paranaíta (MT), Jacareacanga (PA) e Itaituba (PA), respectivamente. A ação aponta irregularidades praticadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o MPF a EPE  não apresentou uma versão completa do estudo do componente indígena e o Ibama aceitou o estudo mesmo assim. 
O estudo deveria ter sido feito de acordo com as diretrizes de um termo de referência elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O termo de referência estabelecia o que deveria ter sido estudado para medir os impactos da obra sobre os povos indígenas da região. 
“O documento não foi entregue em sua totalidade, como determina o termo de referência. Vale dizer, os impactos da obra sobre os povos indígenas ainda não são conhecidos em sua totalidade”, criticam na ação os procuradores da República Felipe Bogado e Manoel Antônio Gonçalves da Silva, que atuam em Mato Grosso, e Felício Pontes Jr., que atua no Pará.
Na ação, o MPF cita pareceres da Funai sobre os estudos realizados. Para a autarquia, são “inconsistentes” os programas previstos nos estudos para redução de impactos aos indígenas.
Segundo a Funai, falta planejamento para ações integradas em proteção territorial, proteção aos índios isolados, proteção à saúde, monitoramento participativo da qualidade da água, da fauna e das espécies de peixes. Falta também planejamento para ações integradas de gestão territorial e ambiental, de recuperação de áreas degradadas, de formação e capacitação, de comunicação social, de educação ambiental, geração de renda, valorização cultural do patrimônio material e imaterial, entre outros itens ausentes.

“Cumprindo tabela” - “Apenas essa constatação já seria suficiente para demonstrar que não se pode chegar às audiências públicas sem que estes programas estejam em debate, sob pena de se tornarem inócuas”, alertam os procuradores da República. Para o MPF, essa irregularidade é ainda mais grave por se tratar de um processo de licenciamento que, segundo palavras da própria Funai, é marcado “por conflitos e tensões, e alguns confrontos diretos” e em que o estudo do componente indígena está sendo feito de qualquer maneira, “apenas para cumprir tabela”.
“Como levar esses estudos às audiências públicas, já que não demonstram com clareza nem mesmo a obra em si (projeto executivo), quanto mais os verdadeiros impactos e suas mitigações/compensações em relação aos indígenas?” questionam os autores da ação.
A EPE chegou a apresentar à Funai uma resposta sobre as críticas feitas pela autarquia. Apesar de a Funai ainda não ter se manifestado sobre os argumentos da EPE, o Ibama agendou as audiências públicas. No entanto, para o MPF a participação popular não é apenas um requisito formal do licenciamento. “É fundamental a participação efetiva da população, sobretudo a atingida, que tem direito de saber os reais impactos do empreendimento e questionar sua viabilidade”, destaca a ação. 
Além de pedir a suspensão das audiências, o MPF solicitou à Justiça Federal que obrigue a EPE a concluir o estudo do componente indígena, sob pena de aplicação de multa. O MPF pede a aplicação de multa também ao Ibama, caso sejam realizadas as audiências públicas sem a conclusão do referido estudo. 


Processo nº – 0013839-40.2013.4.01.3600 – 1ª Vara Federal em Cuiabá (MT)
Link para acompanhamento processual
Íntegra da ação

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sue Branford e Nayana Fernandez: A vida num garimpo


As jornalistas de Latin America Bureau, Sue Branford e Nayana Fernandez, chegaram à cidade de Santarém no dia 5 de setembro. Estão passando um mês viajando pela região para conhecer o impacto de “grandes projetos de desenvolvimento” sobre comunidades locais. Estas são a segunda e a terceira de uma série de postagens que Sue escreve sobre a região para o LAB, que agora publico no blog num texto único. O documento aborda a situação de um garimpo no Alto Tapajós. O texto em português foi gentilmente repassado ao blog Língua Ferina pela jornalista Sue Branford. A  versão em inglês dos textos encontra-se no sítio do LAB:  O primeiro texto pode ser lido em português AQUI em inglês AQUI

A vida no garimpo

Estou em um lugar impressionante. Pegamos um barco em Jacareacanga, descendo o rio Tapajós até chegamos ao rio Pacu, seu afluente da margem direita, que subimos até chegar à vila (ou, currutela, como alguns chamam) de São José. Uma viagem de cerca de quatro horas.

Descemos do barco e logo nos encontramos no centro da comunidade – um campo de futebol, cercado de casas simples, cobertas de telhas de amianto, sempre com uma pequena varanda, que parece ser a parte mais ocupada da casa. E, no amanhecer deste 15 de setembro, em uma dessas casas, em uma dessas varandas, escrevo esta postagem.

Seria uma típica comunidade da fronteira amazônica? Sim, e sob muitos pontos de vista. A antiga vila que já foi uma colocação de seringais foi (re)fundada pela “folia” do garimpo, ainda nos anos 60. Estamos no epicentro da “febre de ouro” do vale do Tapajós, algo tão voluptuoso que fez do pequeno aeroporto de Itaituba o mais movimentado em pousos e decolagens do planeta. Ninguém sabe ao certo, mas concorda-se que a quantidade de garimpos na região entrou na casa dos milhares.

Pequeno porto no rio Pacu, na Comunidade de São José. 
Fotografia: Nayana Fernandez - LAB 


Nenhum desses garimpos chegou perto da escala de Serra Pelada, aquela enorme mineração a céu aberto, próxima a Marabá-PA. Nunca foi encontrado um grande filão, mas, uma quantidade ainda maior de ouro espalhava-se pela vasta província garimpeira do Tapajós. Muitos fizeram fortuna, mas, na cultura de garimpo, ser rico não é acumular, é gastar. Gastar abusadamente, como deixar rios de dinheiro em noitadas extravagantes de bebedeiras e mulheres. São comuns os relatos de garimpeiros que tiveram quilos de ouros e vários aviões e hoje, mal conseguem o suficiente para comer. Porém, a narrativa não é de fracasso. Nesta curiosa lógica, os homens que se criaram na miséria, ao menos por um instante, conheceram a plenitude.

São José perdeu a extravagância dos anos 80 e 90, mas continua uma vila de garimpo. Todos os pequenos comércios, ao redor do campo de futebol, vendem mercadoria a preços altos (até R$ 10 por um quilo de cebola), sempre recebendo em ouro aferido nas pequenas balanças instaladas onde esperaríamos uma caixa registradora. E os cabarés (ou bregas), ainda que sem a exuberância de antes, resistem. Dos 11 estabelecimentos da praça central, quatro são bregas. Durante a semana, as mulheres se sentam, aborrecidas ou ajudam no pequeno movimento de venda de bebidas, mas nos fins de semana os bregas florescem quando os garimpeiros chegam dos “baixões” e gastam generosamente o ouro ganho com um trabalho árduo.

Mas, ao mesmo tempo, São José é também uma verdadeira comunidade, na acepção cristã do termo, com famílias, escola, posto de saúde, várias igrejas, festas comunitárias, organização política própria e regras que eles mesmos implantaram e que o grupo respeita e faz valer. O lugar parece tranquilo, segundo relatam os moradores, quase não ocorrem roubos e as drogas não entram. É uma vila agradável, um dos lugares mais hospitaleiros que conheci. Não há mendigos e quando alguém atravessa dificuldades, sempre conta com a cooperação da comunidade. Recentemente, o grupo se juntou rapidamente e reconstruiu voluntariamente a casa de uma família destruída num incêndio. A prostituição é vista como profissão qualquer – o novo presidente da comunidade é dono de um brega, aliás, o anterior também. Enfim, como explicou um jovem garimpeiro, parece ser um bom lugar pra se viver, principalmente quando se é pobre: “Prefiro mil vezes morar aqui do que na periferia de São Paulo”.

O que torna tudo isso bem interessante é que, para a maioria dos brasileiros, garimpo é sinônimo de crime, desordem e violência. De fato, nos anos 70, a vila era um faroeste, era comum haver até três ou quatro assassinatos em um fim de semana. Como nos outros garimpos, qualquer questão era resolvida “à bala”.Por que é tão diferente hoje? Recebi muitas respostas. “Foi a chegada de famílias na vila”, afirma um. “Foi diminuição do ouro que os garimpeiros pegavam”, fala outro. “Hoje tem menos ouro, não dá mais pra um garimpeiro ‘botar tudo na beira’, não dá mais pra ‘fechar a zona’”. “Foi a chegada da policia”, afirma outro, referindo-se ao pequeno posto da policia militar com seus quatro soldados, sem veículos, sem telefone, sem energia elétrica e, é claro, sem acesso à internet. “São corruptos e extorquem”, acrescenta, falando ainda da polícia local, “mais eles fazem os criminosos pensar duas vezes”. “Foi o conflito que nos uniu”, afirma outro. E a esse conflito que voltaremos na próxima postagem.

Bomba relógio
Ainda estamos em São José, uma comunidade de garimpeiros na margem do rio Pacu, um afluente do Rio Tapajós. Eles estão envolvidos em um tenso conflito com uma mineradora, a Ouro Roxo (“até o nome eles roubaram da gente”, se queixou um garimpeiro). A empresa chegou à região há poucos anos, afirmando que tinha “os papéis” da terra em que os garimpeiros trabalhavam há décadas e daí se instalou uma violenta tensão.

Nos garimpos, o ouro é extraído por meio de galerias cavadas manualmente na “fofoca do Paxiúba”, o local de maior movimento hoje. E, em nossa visita, descemos, pendurados por um cabo, 12 metros até chegarmos à galeria (outro túnel que parte horizontalmente) para ver como um garimpeiro extrai ouro de um “filão”. É trabalho duro e, embora os garimpeiros conheçam muito bem a geologia e saibam quando uma área tem ouro, nunca sabem qual das muitas galerias que cavam vão render bem. Isso ajuda a explicar a fascínio do garimpo – sempre se crê que um pouco mais pra frente se vai “bamburrar”, pegar uma grande quantidade de ouro. E assim, nunca se percebe a hora de parar. Parece ser a mesma embriagues que leva o jogador a, sempre, apostar tudo o que ganhou.

Jornalista Nayana Fernandez desce até a mina: extração há doze metros de profundidade 
Fotografia: LAB

Os garimpeiros não se importam que a mineradora explore ouro a mais de 50 metros de profundidade (onde estudos geológicos indicam haver imensas jazidas). Também, a comunidade reconhece o direito da mineradora às terras que ela comprou de garimpeiros locais, “lá ninguém entra”. O problema maior é uma pequena poção, a Paxiúba, que a empresa não comprou, mas onde, segundo a própria, obteve junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) os direitos de pesquisa.

A mineradora não aceita a exigência do grupo sobre a Paxiúba. Enviam requerimentos e mais requerimentos às autoridades e preocupam-se muito em afirmar que não se trata de uma demanda social, da comunidade como um todo, mas de uns poucos “criminosos que tentam se passar por representantes” do grupo para enriquecer às custas de toda a comunidade. A mineradora acusa os garimpeiros de danos ambientais: “agem como gafanhotos; por onde passam, só deixam devastação”. Ironicamente, a própria mineradora opera sem licença ambiental válida e com impactos talvez ainda maiores do que a ação dos garimpeiros.

Com alguns dos muitos moto-taxistas da comunidade, fomos visitar a operação da empresa. A atividade e as instalações são muito rústicas e precárias. Neste momento só processam o “curimã”, rejeito do cascalho retirado do subsolo que já passou pela primeira retirada de ouro, mas que ainda contém bastante do metal entranhado e que pode ser extraído com o uso de cianeto, um produto altamente tóxico.

O gerente da mina, Francisco Pereira Viegas, nos assegurou que tudo era muito seguro. Porém, vimos tanques cavados na terra, revestidos apenas por uma fina lona preta, muitas vezes, rasgada. Segundo os empregados da mineradora, nestes tanques, o curimã é misturado com o cianeto. O órgão ambiental indicou que a lona plástica deveria ser substituída por polietileno de alta densidade. Não só continua a lona, como também, agora, está rasgada, deixando o produto em contato direto com o solo. Antigos empregados nos confirmaram que as condições de segurança eram mínimas e acidentes sérios já aconteceram, como o caso de um homem que caiu em um desses tanques e ficou próximo de morrer. 

Tanque com cianeto e fina camada de plástico rasgado
Fotografia: Lorenza Sganzetta


Um detalhe: tudo isso acontece dentro de uma unidade de conservação federal, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós.
A empresa é representada na região por Dirceu Santos Frederico Sobrinho. Entretanto, segundo o contrato social da mineradora, ele detém apenas uma cota num total de 613.668. A que pertencem as outras? O gerente disse que achava que a empresa era de capital canadense e venezuelano mas não sabia ao certo. Outro assunto em nossa lista de tarefas: descobrir os donos. Alguém lendo essa postagem pode ajudar?

Em março de 2010, a partir de denúncias da mineradora, o DNPM emitiu um “Auto de Paralisação” das atividades dos garimpeiros na Paxiúba. Em abril do mesmo ano, os garimpeiros foram despejados da área pelo DNPM com apoio da Policia Federal. Estranhamente, nas centenas e centenas de garimpos do vale do Tapajós que atuam na irregularidade, este foi o único que tivemos notícias de ter tido uma ação do DNPM.

As atividades na área ficaram paralisadas por mais de dois anos, até que, em 12 de junho último, em protesto às ações da Mineração Ouro Roxo, desesperados para ganhar de volta seu sustento e convencidos da razão de sua causa, a comunidade de São José retomaram suas atividades na Paxiúba.

Rapidamente, a empresa reagiu e já obteve na Justiça Estadual decisão provisória deferindo um “interdito proibitório”, uma ordem judicial que impede toda a comunidade de trabalhar na área. A ordem judicial obriga os comunitários a deixar a área imediatamente após serem notificados, o que pode acontecer a qualquer momento. O oficial de justiça que fará a notificação aguarda apenas o reforço policial que já fora requisitado. Não se sabe como vão reagir os garimpeiros e as perspectivas são bastante preocupantes.E qual seria a saída para a comunidade? Os direitos do grupo dependem, inclusive, do seu reconhecimento como “interesses coletivos” e não individuais. Ainda mais se puderem fazer ver que são um grupo culturalmente diferenciado e com relações próprias com o território, ou seja, uma “comunidade tradicional”. Os povos e comunidades tradicionais tiveram direitos diferenciados reconhecidos a partir da Constituição de 1988 e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da qual o Brasil é signatário.

A repetição com que os advogados da mineradora negam o grupo como comunidade tradicional (ou, mesmo, como uma comunidade), acaba por revelar o quanto isto os preocupa. Em um dos tantos requerimentos desses advogados, chegam a renunciar à coerência ao afirmar que se trata de “um grupo restrito e individualizado de garimpeiros, que desafiando solenemente as ordens expressas das autoridades competentes insistem na reiterada pratica de crimes diversos”.Estivemos na comunidade de São José por quase uma semana e, poucas vezes, encontramos uma comunidade tão unida, coesa e com peculiaridades próprias. Inclusive, no dia 14 de setembro se realizou uma assembleia da comunidade, com a presença de quase 300 pessoas, no salão comunitário (que também funciona como um brega quando não ocupado nestas atividades) e vimos o entusiasmo e o consenso de um grupo que levantava os braços para rejeitar as propostas da mineradora para que a comunidade lhes permita apoderarem-se da área da Paxiúba.

Hospitalidade contrasta com ameaça de despejo a qualquer momento.
Fotografia: Nayana Fernandez-LAB 



Sem dúvida, o trabalho efetivado pela comunidade tem impactos e precisa ser regulamentado com a adoção de medidas de mitigação e controle ambiental. Entretanto, a sua luta nos parece justa, em mais um dos tantos exemplos da distância entre o legal e o legítimo nessa plural Amazônia.

Depois da reunião, tomando uma cerveja em um dos bares da praça central (o campo de futebol), ouvimos um punhado interminável de músicas (Será que o homem chora? era a favorita), o volume era tão alto que quase não se podia falar. Só coisas essenciais – se aproximaram às duas jovens que nos acompanham vários garimpeiros esperançosos, propondo educada, mas não tão sutilmente, “você não quer dormir comigo hoje?”. A insistência foi pouca e baseada em curiosos argumentos: “Olha, tenho ar condicionado”. As recusas foram sempre aceitas com bom humor.

E assim, a vida continua nesta currutela “pouco sutil” e agradável. Mas por quanto tempo? Temos a sensação que tudo acontece sobre uma grande bomba prestes a explodir.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Em defesa das almas indígenas

Missões evangélicas, acusadas de proselitismo contra indígenas, usam Comissão de Direitos Humanos para pressionar governo e ter acesso as aldeias


 Ronaldo Lidório, "coordenador de pesquisa" do Departamento de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Missões (AMTB), prega em encontro evangélico. Ele disse que são necessários mais 500 missionários para traduzir a bíblia para todas as linguas indígenas do Brasil.

Nesta quarta-feira 11, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara vai debater o tema da liberdade das almas indígenas. Uma discussão um tanto surpreendente para o Legislativo. O tema é "atuação de instituições religiosas entre os povos indígenas"

Quem propôs o debate é o pastor evangélico Eurico, deputado pelo PSB de Pernambuco. Segundo ele, "entidades governamentais têm impedido a continuidade do trabalho de missões religiosas, especialmente as católicas e evangélicas, nas comunidades indígenas."

Marcos Feliciano, o polêmico pastor conhecido por declarações homofóbicas e racistas, capo da Comissão, topou, como era de se esperar. Foi convencido pela justificativa de que: “Cabe a esta comissão debater a melhor forma de participação dessas instituições religiosas em detrimento do que permite a legislação brasileira sobre o tema”.

Convidaram a presidenta da Funai, o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado a Igreja Católica, e também o pastor Ronaldo Lidório, "coordenador de pesquisa" do Departamento de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Missões (AMTB), e o pastor Henrique Terena, indígena que é o presidente do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei). A AMTB e o Conplei, no caso, representam as agências missionários históricas que querem evangelizar os povos indígenas.

É difícil que o debate esclareça alguma coisa a não ser expor a aliança, nem sempre eficaz, entre missionários evangélicos de igrejas históricas, como presbiterianos e metodistas, com os congressistas neopentecostais. As vítimas, no entanto, são evidentes: as sociedades indígenas e, claro, a humanidade como um todo.

O que está em discussão na Comissão (de "direitos humanos"?) é a conquista das almas indígenas. A determinação bíblica, na crença destes missionários, consta no Evangelho Segundo Marcos. Ele conta que Jesus teria lhe dito para ir a todo lugar e pregar o evangelho para todas as "criaturas". E quem não for convertido será condenado. É a teoria do pecado original. Os evangélicos históricos querem ter acesso livre para praticar o proselitismo religioso e tentar converter indígenas a partir da metodologia das missões: enviar missionários até os "confins do mundo", como dizem, para traduzir a bíblia, pregar, converter e construir igrejas entre todos os povos do mundo. E usam os meios de que dispõe para pressionar o governo.

Na visão combativa dessas "missões", todo empecilho à evangelização deve ser enfrentado. Como o presidente da New Tribes Mission (que integra a AMTB de Lidório), Edward Luz, me disse em um congresso: “Se [o governo] proíbe pregar o evangelho, está proibindo a liberdade da adoração; proíbe o autor do evangelho, o senhor Jesus; e proibiu a Bíblia, proibiu o Deus criador. E nós partimos para um confronto”.

As missões foram expulsas das terras indígenas pela Funai em 1991, durante a gestão de Sidnei Possuelo. Haviam acusações de diversos tipos, como genocídio, escravidão, exploração sexual, e uma conturbada séries de relações com o Estado, principalmente monopolizando o acesso a saúde e a educação, no que decorria um problema fundamental: as missões visam evangelizar os índios, e num estado laico, isso não pode ser permitido.

Desde então, a retórica missionária para buscar alguma legitimidade passou a ser maquiar ou disfarçar o desejo proselitista, a conversão, forçada ou não, a ferro e a fogo ou só na conversa.

A questão do Estado laico no Brasil é urgente e merece extrema atenção. Proteger as sociedades indígenas do ataque religioso não se trata de ações de governo, mas de princípio da Constituição Federal, inscrito no artigo 4, inciso III, de garantir a "autodeterminação dos povos". E no artigo 5, inciso VI, a proteção aos "locais de culto", ou seja, os territórios indígenas: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

A retórica missionária protestante prega uma suposta "liberdade de escolha". Nessa concepção, a possibilidade de escolha se daria, em forma hipotética, é claro, a partir da apresentação das religiões disponíveis. Como se todas as religiões que foram criadas pela humanidade ao longo dos últimos 10 mil anos estivessem em um cardápio. Como não estão, "oferecem" o protestantismo.
Esse argumento desenvolve a determinação bíblica de Marcos de que todos devem seguir a doutrina cristã. Os indígenas, após a leitura da bíblia na sua língua, deveriam tomar a decisão de ser cristão, ou de negar ser cristão. No Brasil, são mais de 180 línguas.

Ser cristão, ou não ser no sentido de negar a ser, é a suposta "liberdade".
É evidente que se trata de uma falácia retórica que serve, apenas, para justificar o proselitismo. Isso reflete a vontade de impor uma única visão religiosa possível para todos os humanos do planeta. Quem estiver de fora, deve arder no inferno, seja na vida, seja após a morte.

Qual a gravidade disso?

Primeiro, a atuação das missões é etnocida. Provoca o etnocídio entre as sociedades indígenas onde atuam. Segundo o antropólogo francês Pierre Clastres: "O etnocídio, portanto, é a destruição sistemática de modos de vida e de pensamento de pessoas diferentes daquelas que conduzem a empresa da destruição. Em suma, o genocídio assassina os povos em seus corpos e o etnocídio os mata em seu espírito."

Depois, o genocídio em si mesmo, a morte total e completa de um povo, o extermínio. Isso aconteceu, conforme denuncia da Funai, entre o povo Zoé no final da década de 1980, por atuação da New Tribes.

Também, o trabalho escravo, quando índios são escravizados para construir templos, pistas de avião, trabalhos domésticos para os missionários – acusações recorrentes entre as agências missionárias. Por exemplo, essa foi uma das justificativas dos Yawanawa, no Acre, para a expulsão da New Tribes de seu território.

Entre outros fatos, igualmente terríveis, como a perversa associação entre missões e o Estado no passado, como o uso do acesso a medicamentos para trocar aspirina e remédios pela conversão. É o que aconteceu, por exemplo, entre os Karajá, na Ilha do Bananal.

A atuação da missão Jovens com Uma Missão – Jocum –, como mostrei há alguns anos aqui na CartaCapital, provocou uma onda de suicídios entre os suruwahá, além da acusação de outro diversos crimes na aldeia – e loucuras, como a de trazer um xamã maori, da Nova Zelândia, para realizar um ritual de exorcismo no meio da Amazônia. Foram expulsos da aldeia pela Funai, sob determinação do Ministério Público Federal do Amazonas, acusados de uma série de crimes que foram compilados em um relatório da Funai, como publiquei.

A corrida pelas almas indígenas visa abastecer um verdadeiro mercado de almas, a custa do etnocídio, conforme reportagem na revista RollingStone publicada em dezembro de 2011.

O valor das almas no mercado das missões evangélicas pode variar muito. As mais caras e valiosas são a de pequenos povos que falam línguas isoladas ou ainda sem gramática traduzida. Nesses casos, o esforço é grande para traduzir a bíblia, e cada alma recebe mais investimentos da agência missionária para ser conquistada.

Os índios considerados "isolados", que vivem em "isolamento voluntário", ou então, apenas livres na floresta sem querer se aproximar das sociedades que os cercam, são o grande objeto de cobiça. E nesse caso, como são mais vulneráveis a epidemias, é maior o risco de um genocídio. Como a New Tribes Mission é acusada de praticar com os Zoé.

Nessa disputa de almas, há valores envolvidos. Há dinheiro, poder, controle de territórios, de mercados. A ética protestante, escreveu Max Weber no início do século, pode contribuir para o avanço do capitalismo. No caso das agências missionárias que tentam conquistar almas selvagens ("selvagem" no sentido de Levy-Strauss), as vinculações com capitalistas chegam a ser diabólicas, para fazermos uma analogia maldosa.

Exemplo: foram financiados por Rockfeller no pós-guerra. O milionário americano esperava encontrar petróleo nessa busca cristã por almas. E conseguiu, no Equador. As missões chegaram antes da exploração, converteram, "civilizaram", e contribuíram para fulminar a resistência que os indígenas tinham aos planos petroleiros em suas terras.

Na região de Santarém, onde missionários da New Tribes Mission haviam sido expulsos dos Zoé, alianças inescrupulosas foram feitas para arregimentar almas ribeirinhas, de castanheiros, quilombolas, e fortalecer a religião entre os way-way e utilizar os way-way como mensageiros da fé. Os agentes missionários em Santarém passaram a ser contratados por madeireiros e sojeiros em disputa territorial contra os povos indígenas (relação parecida aconteceu com os garimpeiros no Amapá, outro exemplo). Em razão de problemas éticos, um deles, o antropólogo Edward M. Luz, filho do presidente da New Tribes Mission (de mesmo nome, Edward Luz, citado acima), foi expulso da Associação Brasileira de Antropologia. Em nota: "A ABA esclarece que o Sr. Edward Luz foi expulso do seu quadro de associados em reunião realizada em Brasília, no dia 11 de janeiro de 2013. Não corrobora e não considera justas as manifestações deste senhor." Luz publicou um texto no qual dizia: "não fui expulso da ABA. Pedi para sair ao constatar total compromisso e submissão da ABA ao Movimento Indígena".

Algumas acusações contra Luz, que faz parte do mesmo grupo da AMTB e da Unievangélica, de Anapolis, constam num relatório feito pelo antropólogo Leandro Mahalem que podem ser acessado nesse link: http://www.scribd.com/doc/129468563/Resposta-ao-missionario-antropologo-Edward-Luz-Marco-de-2013


A Comissão de Direitos Humanos, a cada dia, segue misturando religião com Estado, rasgando a laicidade, e promovendo violência contra as minorias. Os missionários tentam pressionar o governo para que possam pregar o evangelho nas aldeias, promovendo assim o proselitismo religioso. Querem pregar de forma aberta, pois escondido já o fazem. É o caso, por exemplo, de uma professora  municipal, também missionária entre os arawete, na região de Altamira. Ela utiliza o serviço público para praticar o proselitismo. A Funai regional em Altamira abriu processo para a sua expulsão da aldeia. Será que esse caso, que merece investigação, vai ser debatido na Comissão?

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Rio Tapajós: Jornalista inglesa e sua equipe são hostilizados por pesquisador e homens da Força Nacional

Fonte: blog Língua Ferina


Conforme o blog Língua Ferina anunciou, duas jornalistas do Latin America Bureau (LAB), Sue Branford e Nayana Fernandez, chegaram à cidade de Santarém (PA)  no dia 5 de setembro. Elas passarão um mês viajando na região para ver o impacto de “grandes projetos de desenvolvimento” sobre comunidades locais, especialmente mineração e hidrelétricas. No dia 07 de setembro, enquanto protestos e repressões sacudiam novamente o país, as jornalistas se dirigiram para o município de Jacareacanga, área onde indígenas Munduruku resistem ao chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

região está militarizada pelo governo federal , que enviou soldados da Força Nacional de Segurança e do Exército para escoltar estudiosos que realizam levantamentos para estudos de impacto ambiental da obra. No relato abaixo, Sue Branford descreve o inusitado encontro dela e sua pequena equipe com um coordenador de estudos biológicos e as tropas federais na rodovia Transamazônica. Rodrigo de Filippo agrediu verbalmente a jornalista inglesa e sua equipe, que também foi intimidada pela Força Nacional.

Sue Branford há mais de quarenta anos atua com coberturas jornalísticas sobre o Brasil. Foi correspondente no país do jornal The Guardian e da rede BBC. Esteve em Marabá, no início dos anos setenta, durante a construção da Transamazônica quando a região também estava militarizada, sendo em seguida chamada para depor no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão do regime militar), pois sem conhecimento prévio da jornalista, no local se desenvolvia o combate de forças militares contra a Guerrilha do Araguaia, conflito até então desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Foi responsável por uma das primeiras matérias sobre o assunto, publicada fora do país. Cobriu com entusiasmo o surgimento do novo sindicalismo do ABC Paulista e de Lula, as campanhas pela Anistia e Diretas, a Constituição de 1988 e a chegada do PT ao poder, entre outros fatos recentes da história brasileira.

No ano passado, quando esteve novamente na Amazônia, escreveu matérias sobre conflitos fundiários entre assentados e madeireiras nos municípios paraenses de Uruará e Anapu, publicados no Brasil na revista Caros Amigos e na Inglaterra no sítio da BBC.

Na atual viagem, na qual também escreve para BBC, antes de desembarcar em Santarém, produziu dois relatos  em seu blog a partir de sua estada no Rio de Janeiro. Os textos dizem sobre a nova geração de jovens que protagonizam os protestos no Brasil e sobre a Mídia Ninja.

Abaixo, a reprodução em português da primeira de uma série de postagens que Sue escreverá sobre a região. O texto original em inglês encontra-se no sítio da LAB. Essa versão em português foi gentilmente revisada por Sue para o blog Língua Ferina:

Como sempre acontece nessas viagens pela Amazônia, passamos os primeiros dias viajando. Desta vez foi de ônibus – dez horas de Santarém para Itaituba e outras oito de Itaituba para Jacareacanga, uma vila que se tornou famosa por ter sido o lugar onde militares lançaram uma tentativa de golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek.
Não havia nada de especial na viagem até um encontro inesperado – e chocante– com Rodrigo de Filippo, o coordenador dos estudos biológicos que estão sendo realizados na região do rio Tapajós por uma grande empresa de engenharia, a Concremat. Esses estudos fazem parte do EIA/RIMA, uma avaliação de impactos sociais e ambientais exigida por lei antes de aprovar qualquer grande projeto. Neste caso, os estudos avaliam duas grandes – e polêmicas –hidrelétricas no rio Tapajós: São Luís do Tapajós e Jatobá.



Por lei, o governo deveria realizar previamente uma série de grandes consultas públicas com as comunidades locais. Essas consultas não ocorreram, talvez porque as autoridades já saibam que os índios Munduruku, que se somam cerca de 12.000 na região impactada, estão em sua grande maioria opostos às hidrelétricas.
Sem as consultas públicas, há tempos, os índios Munduruku exigem do governo a paralisação dos estudos biológicos. Como o governo ignorou por completo suas demandas, optaram em junho por ação direta: prenderam três biólogos que trabalhavam na região à revelia dos índios. Os reféns passavam à noite numa aldeia próxima e durante o dia ficavam “expostos” no coreto da única praça da cidade, ora eram fotografados com as mãos amarradas e os rostos pintados, em outras, eram convidados pelos próprios indígenas e os acompanhavam para assistir partidas de futebol no campo próximo.
O governo reagiu rapidamente: comprometeu-se a paralisar os estudos enquanto não fossem realizadas as consultas publicas, e os reféns foram soltos.
Mas era promessa para inglês ver: as consultas públicas não ocorreram e, pior, poucas semanas depois o governo emitiu licença para a retomada dos estudos. Logo em seguida, os biólogos voltaram à região, desta vez escoltados por contingentes armados de metralhadoras e fuzis, helicópteros e mais todo um verdadeiro aparato de guerra. Até agora os índios não reagiram, coibidos pelas metralhadoras. Segundo nos relatou um ribeirinho, as famílias não indígenas, mais próximos da operação e ainda mais assustados, sofreram uma pressão maior, e algumas delas chegaram a abandonar suas casas e se refugiar em Itaituba, a cidade mais “próxima”, numa viagem que pode levar até 12 horas.
Pode-se imaginar a minha surpresa quando desci do ônibus na parada para o almoço, numa comunidade no Km 180 da Transamazônica, no trecho Itaituba-Jacareacanga, longe das margens do Tapajós, onde são realizados os estudos, e vi um grupo de biólogos, cercados de soldados ostensivamente armados, sentados numa mesa ao lado. Como jornalista, queria saber como eles se sentiam trabalhando nessas condições.

Aproximei-me deles e me apresentei, gentilmente, mas, em seguida, um homem se levantou e se identificou como chefe dos trabalhos. Dirigindo-se a mim numa maneira bastante agressiva, disse que os pesquisadores estavam proibidos taxativamente de falar comigo. Respondi, outra vez com cortesia, “então, posso falar com o senhor?”. “Muito menos comigo! Muito menos comigo!” gritou ele em voz tão alta que deu para ser ouvido no restaurante todo. Imediatamente, os soldados ficaram em alerta.
E ele continuou, em tom elevado e ríspido: “Vocês desqualificaram meu trabalho. Vocês não tem nenhuma credibilidade!”, entre outros impropérios. Reagi, dizendo que ele não me conhecia – era a primeira vez que nos víamos – que eu era uma jornalista estrangeira fazendo matérias para a BBC de Londres, um órgão da imprensa mundialmente respeitado, que ele não tinha nenhum direito de me insultar dessa forma. Ele respondeu com mais insultos e me afastei. Um soldado levanta-se e posta-se intimidativo ao lado da minha colega Nayana Fernandes que tentava fotografar a cena.
Um incidente trivial, sem maiores consequências não fosse a preocupação que suscita. Se Rodrigo de Filippo age desta forma, em lugar público, com uma jornalista inglesa, imagine-se o tratamento que dispensa a ribeirinhos e indígenas longe de qualquer público na mata?

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Hidrelétricas e mineração na Amazônia são temas de reportagens do LAB



As repórteres do LAB (Latin America Bureau) Sue Branford e Nayana Fernandez estão na Amazônia brasileira desde o último 05 de setembro. A missão é investigar durante 25 dias, o efeito sobre as comunidades locais de índios, pescadores e quilombos dos chamados projetos de desenvolvimento, especialmente em mineração e energia hidrelétrica, em torno dos rios Tapajós e Trombetas, no Pará. O trabalho incluirá entrevistas em vídeo com os líderes indígenas Munduruku, garimpeiros, quilombolas e outras pessoas dessas comunidades.

Após chegarem a Santarém, onde os rios Amazonas e Tapajós se encontram, elas percorreram mais de 800 quilômetros, chegando a Jacareacanga, uma cidade dominada por 'garimpeiros' na década de 1970 e 1980 e, agora, um centro de resistência indígena contra as hidrelétricas do Tapajós.

Sue Branford é inglesa e possui mais de 40 anos de trabalhos sobre a América Latina, o Brasil e a Amazônia. Foi correspondente da BBC e do jornal The Guardian. É atualmente editora-chefe do LAB.

Nayana Fernandez  é brasileira, videomaker, com mestrado em Antropologia e Política Cultural no Goldsmiths College, em Londres. Sua matérias se concentram em questões em torno dos direitos humanos e movimentos sociais no Brasil

Com informações do 
LAB.

Leia: Rio, um ano depois, por Sue Branford

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Aldeia Munduruku é invadida por Força Nacional no sul do Pará


06/09/2013
 Renato Santana, de Brasília (DF)

Parte do território da aldeia Boca, povo Munduruku, no sul do Pará, foi invadido por agentes da Força Nacional e pesquisadores nessa quinta-feira (5). A ação visa garantir a licença ambiental de um complexo hidrelétrico no rio Tapajós, até agora sem consulta prévia às comunidades. Os ânimos se acirraram. O cacique geral convocou Assembleia Geral para os dias 15, 16 e 17 deste mês.
O encontro será na aldeia Traíra e reunirá os caciques das comunidades, guerreiros e lideranças para tratar dos trabalhos de pesquisas à usina nas terras de ocupação tradicional. A aldeia fica na região de Jacareacanga e Itaituba, municípios usados de base pelas tropas da Força Nacional. Helicópteros e agentes circulam por Jacareacanga diariamente.
“Seguimos contra esse projeto. Nas aldeias é o que todos pensam. Governo não quer ouvir opinião que a gente tem. Dissemos isso em Brasília já. Podem dizer o que for, mas Munduruku não quer usina”, afirmou o cacique geral do povo, Arnaldo Caetano Kaba. De acordo com a Convenção 169 OIT, a consulta precede os estudos de impacto do empreendimento, realizados por empresas.
Conforme lideranças indígenas, o cacique da aldeia Boca, José Edilson Munduruku, afirmou que os agentes da Força Nacional ameaçaram a comunidade caso os indígenas tentassem impedir os trabalhos dos pesquisadores. A última vez que o governo federal esteve numa aldeia Munduruku, acabou com a morte de Adenilson Kirixi – leia aqui.
Governo não cumpre acordo
No último mês de maio, guerreiros Munduruku detiveram dois indivíduos atuando dentro do território tradicional. Durante a negociação para a soltura dos técnicos, a Secretaria Geral da Presidência República garantiu a suspensão dos estudos até a regulamentação da consulta prévia - Convenção 169. O que nunca ocorreu. No entanto, à sombra de tal acordo, a trama da retomada dos estudos se fiou.
Durante reunião de caciques e lideranças Munduruku, no dia 3 de agosto, o prefeito de Jacareacanga, Raulien Queiroz (PT), com força policial e institucional, comandou a destituição dos principais dirigentes da Associação Pusuru. Além disso, impediu manifestações contra a construção das usinas hidrelétricas no rio Tapajós.
Quatro dias depois do encontro em Jacareacanga, denunciado pelos Munduruku como forma de enfraquecer a organização interna numa orquestração emanada do Palácio do Planalto, o secretário executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Francisco Romário Wojcicki, assinou documento enviado para a presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, comunicando a retomada dos estudos no rio Tapajós.
A opinião contrária ao empreendimento, porém, não se restringe ao povo Munduruku. No último dia 30 de agosto, em audiência pública realizada em Santarém, no Pará, convocada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para tratar da construção de hidrelétricas no Tapajós, comunidades tradicionais, povos e sociedade civil disseram não para o empreendimento hidrelétrico, depois de ouvir representantes da Eletrobras/Eletronorte

Foto: Ruy Sposat/Cimi