terça-feira, 30 de abril de 2013

Juntos pelo Tapajós livre


Postado por Nathália Clark - Greenpeace Brasil - 26 abr


“Wuygeycug” é a palavra que define o sentimento do povo Munduruku nesse momento. O significado dela não é guerra nem confronto, mas tristeza. Reunidos durante três dias na aldeia Sai Cinza, lideranças do baixo, médio e alto Tapajós juntaram suas vozes para que sua mensagem seja ouvida: “Nós não queremos barragem”. Guerreiros por natureza, os Munduruku não se resignam ao silêncio do governo. Sem diálogo ou consulta prévia por parte das autoridades, os indígenas saíram às ruas para reivindicar o seu direito à terra e ao rio que os alimenta. Eles não pedem muito. Apenas que o curso da vida possa continuar correndo livre.
“Queremos o Tapajós limpo. Queremos os peixes vivos. Queremos a terra sempre boa para que nossos filhos vivam bem. Não permitimos degredar ou sujar o nosso rio. Estamos mostrando nossa recusa diante do governo. Não queremos perder nada da floresta. Se ela acabar, o que vamos comer? Só o gado sobrevive de capim. Estamos juntos para mostrar nossa força até o final. Não queremos as obras do governo. Nossa riqueza é de todos os brasileiros, inclusive os não-índios”, defendeu o cacique-geral do povo Munduruku, Arnaldo Kaba.
A passeata aconteceu nesta manhã no município de Jacareacanga (PA), que fica a exatos 12 quilômetros – ou 45 minutos de voadeira – da aldeia Sai Cinza. O grupo de cerca de 150 pessoas partiu da sede da Associação Pusuru, organização que representa todos os 13 mil indígenas do povo Munduruku distribuídos por 118 aldeias ao longo do rio Tapajós. A intenção era chamar a atenção dos representantes do governo e da Força Nacional, que voltaram a ocupar a cidade desde o dia 24 para a Operação Tapajós, mas não se apresentaram para a reunião com as lideranças.

Tradicionalmente os Munduruku são divididos em dois clãs, o vermelho e o branco. Eles contam que o primeiro tem uma relação direta com o fogo e representa a força e o fervor de luta do povo. Já o branco significa transparência e tenacidade. A junção dos dois é o que traz o equilíbrio às comunidades. Simbolicamente separados no plano mítico, no mundo terreno eles vivem segundo o lema da associação Pusuru: “Soat Pugtagma”, ou “caminhando juntos”.
“Se aceitarmos o dinheiro que o governo quer oferecer como compensação à barragem, não teremos mais vida. Não queremos o dinheiro. O dinheiro um dia acaba, mas não podemos deixar que acabe a nossa água. Se isso acontecer, não teremos mais peixe, a floresta vai acabar. Não somos acostumados a comprar peixe, a natureza nos dá de graça. Como os primeiros habitantes do Brasil, o governo deveria cuidar de nós, nos ajudar, mas agora ele quer tomar nossas terras.  Os nossos antepassados estão no rio. E é aqui que nós queremos ficar”, disse Cândido Waro, presidente da Pusuru.
O Tapajós é hoje uma das últimas grandes frentes de expansão – e também de resistência – do projeto energético planejado para a Amazônia, e que prevê a construção de pelo menos sete mega hidrelétricas na região. Enquanto o governo o vê apenas como uma via de execução para seus empreendimentos, povos tradicionais como os Munduruku têm nele a sua fonte de subsistência e parte indissociável da sua cultura.
“O governo quer impor seu projeto mesmo sem nos consultar. Deixamos nossos parentes doentes em outras aldeias para ouvir o que as autoridades têm a nos dizer. Mas eles não vieram. Estamos nos sentindo humilhados, mas ainda estamos esperando. O rio Tapajós guarda coisas sagradas para nós. Se a barragem chegar, acaba a nossa história. Não queremos ameaça nem confronto, queremos que eles venham falar conosco e nos ouvir. O rio é nossa vida, e nossa vida não tem preço. O governo não pode nos comprar. Deixem nosso rio em paz, é isso que pedimos”, frisou o cacique Juarez Saw.
Como resultado dos três dias de reunião, os Munduruku prepararam três cartas, a serem entregues ao governo federal, demonstrando sua indignação pelo não comparecimento das autoridades à aldeia Sai Cinza para a plenária que os aguardava, demonstrando sua recusa em aceitar a barragem do Tapajós, e levando um pedido para verificação de sítios arqueológicos pertencentes aos seus antepassados na cachoeira das Sete Quedas, no rio Teles Pires.
Este último foi palco, em novembro, do assassinato de um indígena, durante operação da Força Nacional. A mesma força bruta volta agora a invadir o território Munduruku para fazer passar, a qualquer custo, os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica São Luís do Tapajós.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Povo Munduruku protesta contra presença militar em Jacareacanga e governo se recusa a encontrar indígenas





Indígenas Munduruku protestaram em Jacareacanga, oeste do Pará, contra a presença de tropas da Força Nacional de Segurança no município de Jacareacanga, na última sexta-feira, 26. Os indígenas também se posicionaram contra a construção de hidrelétricas nos rios Tapajós e Teles Pires e pela regulamentação da consulta prévia aos povos indígenas.

Cerca de 200 lideranças estiveram reunidas entre os dias 23 e 25 de abril na aldeia Sai Cinza, a espera de representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, que receberiam a proposta dos indígenas da consulta prévia sobre construção de barragens em terras indígenas. Contudo, os membros do Poder Público não compareceram, alegando aos indígenas temerem um ataque por parte dos Munduruku.

“O governo está tentando se fazer de vítima, e isso não é verdade. Quem chegou armado na cidade de Jacareacanga foi o governo, com a Polícia Federal e a Força Nacional”, afirmaram os indígenas através de nova carta ao governo federal, lançada durante a passeata. 

“Os representantes Tiago Garcia e Nilton Tubino, da Secretaria Geral da Presidência da República, afirmaram aos vereadores Munduruku de Jacareacanga que não viriam à aldeia porque temiam violência da nossa parte, que nós estávamos esperando por eles armados e com gaiolas para prendê-los. Segundo Nilton, o ministro Gilberto Carvalho desautorizou a delegação a vir a nossa aldeia, e tentou impor uma reunião na cidade de Jacareacanga, sob presença militar. E isso nós não aceitamos”, continuava a carta.

Após a recusa do governo em participar da reunião, os participantes do encontro se reuniram a indígenas e não-indígenas moradores do município e realizaram uma marcha no perímetro urbano da cidade. Mais tarde, os indígenas descobriram que o secretário de Articulação Social do governo, Paulo Maldos, também compunha a comitiva.

Ainda segundo o documento, os indígenas tem sofrido tentativas de cooptação por parte do governo federal. “[O governo...] inventa todo tipo de mentira, manipulações e distorções sobre nós Munduruku”, acusando-o de “tentar nos dividir e manipular, pressionando individualmente nossas lideranças, caciques ou vereadores”.

Os indígenas afirmaram estar abertos para o diálogo, mas não se reunirão com o governo sob presença militar, e exigiram a retirada das tropas do Alto Tapajós, em Jacareacanga, e também do Médio, em Itaituba.

Carta do Povo Munduruku

Aldeia Sai-Cinza, 25 de Abril de 2013

A reunião aconteceu na aldeia Sai – Cinza nos dias 23, 24 e 25 de abril do corrente ano, nós o Povo Munduruku reunimos nesta referida aldeia para dialogar juntamente com o governo e o Ministério Público Federal para discutir a questão sobre a consulta prévia, mas, entendemos que nesses dias reunidos não é a realização da consulta prévia. Onde o Povo Munduruku ainda não se encontra preparado para responder à altura a intenção do
governo federal e também para discutir o nosso futuro em relação aos empreendimentos previstos para Região como um todo, entender mais sobre o que é a consulta prévia e dialogar com os nossos advogados que no caso é MPF onde queremos a participação efetiva do Ministério Público em todas as reuniões de esclarecimentos que futuramente irão acontecer em relação às comunidades indígenas Munduruku.
A programação foi construída para a seguinte finalidade: Dia 22 – reunião com todos os Caciques e Representantes do Povo Munduruku. Dia 23 – não conseguimos trazer a maioria dos caciques e representantes para essa discussão. Dia 24 – reunião com os advogados do Povo Munduruku MPF, onde acabou não acontecendo à reunião de esclarecimento sobre a consulta prévia que seria construir juntamente com os caciques e Representantes presentes nesta reunião. Onde infelizmente o MPF e outros advogados não compareceram a esta reunião. Dia 25 - reunir com os representantes do governo para dizer a eles de como nós Povo Munduruku gostaríamos de ser ouvidos e ouvi-los o que o governo tem a nos propor. Mas, infelizmente os representantes do governo não compareceram ao local da reunião por motivo da própria recusa não justificada deles, onde os vereadores indígenas se colocaram a disposição para trazê-los até a aldeia e também oferecendo a própria segurança deles até o local da reunião, mesmo assim eles recusaram a proposta e acabaram não vindo, nós ainda insistimos para eles virem até a aldeia, mas, o governo se recusou a dialogar com nós o povo Munduruku.
Mesmo assim que a partir de agora nós Povo Munduruku seguimos reunindo com os caciques e também com os nossos advogados que MPF e outros parceiros para que possamos entender melhor sobre a consulta prévia e também dialogar os parentes Munduruku para que eles entendam melhor o que é a consulta prévia, informá-los em tudo o que está se passando na proposta do governo, que nós os Munduruku, colocamos a disposição ao diálogo com o governo sem ter a pressão dos órgãos de segurança nacional: (Exército, Polícia Federal, Rodoviária e as força Nacional), onde é impossível dialogar com a presença destes órgãos, onde causam à intimidação e humilhação. Não seria necessária a presença das operações na região para realização dos diálogos entre o governo e o Povo Munduruku.
Onde soubermos que a cidade de Jacareacanga está sitiada por Policiais que davam segurança aos representantes do governo, onde é impossível dialogar com eles. Assim sendo, queremos tempo, acesso e participação dos parceiros como o MPF e outros, e também a participação das lideranças para os esclarecimentos sobre a consulta prévia.
Por fim, exigimos que este documento faça parte do Processo Judicial e possivelmente estaremos dialogando com o MPF.

Veja Também:
Carta ao governo brasileiro e à sociedade
Carta ao Iphan e MPF

Munduruku: indígenas queimam “proposta” do governo federal sobre consulta




“Somos nós que temos que dizer como deve ser essa consulta”
Indígenas Munduruku queimaram proposta do governo federal de consulta prévia sobre construção das hidrelétricas São Luiz do Tapajós e Jatobá, na última quinta-feira, 25 de abril. Cerca de 200 lideranças se reuniram para apresentar a proposta dos indígenas sobre as oitivas das barragens ao Poder Público, que se recusou a participar do encontro na aldeia Sai Cinza, município de Jacareacanga, oeste do Pará.
A Secretaria Geral da Presidência da República entregou a vereadores indígenas Munduruku de Jacareacanga um conjunto de slides impressos de Power Point apresentando uma proposta de consulta prévia onde apenas quatro - de um universo de mais de uma centena de aldeias atingidas pelas barragens - seriam contempladas, e no decurso dos estudos de impacto ambiental das hidrelétricas do Complexo Hidrelétrico Tapajós.
Os Munduruku explicam que a reunião do dia 25 serviria justamente para que os indígenas pudessem apresentar sua proposta sobre as oitividas. “Nós temos que ser consultados antes”, afirma o vice-cacique geral do povo Munduruku, Jairo Saw. “E somos nós que temos que dizer como deve ser essa consulta. Precisa ter uma lei que diga como vai ser a consulta.
antes de ela ser feita, e antes de qualquer estudo de barragem ser feito”, aponta.
Representantes do governo federal vieram a Jacareacanga acompanhados de ao menos 200 policiais da Força Nacional de Segurança, em aviões, helicópteros, caminhões e ônibus do Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, mas não participou da reunião com os indígenas, alegando temer um ataque violento por parte dos Munduruku.

Hidrelétricas no Tapajós, a falta de diálogo e a mineração: Entenda!



Em torno de um dos mais belos rios da Amazônia, o Tapajós, no oeste do Pará, a movimentação do governo federal para construir pelo menos duas usinas hidrelétricas nos próximos anos já começa a impulsionar a mineração, ameaçando um mosaico de áreas protegidas. Em uma região rica em ouro e carente de Estado, o impulso trazido pelas novidades pode ser desastroso. Em meio à falta de diálogo, comunidades indígenas e de ribeirinhos lutam pelo direito de discutir o que será de seu futuro. Numa visita a Juruti, onde atua a multinacional Alcoa, vemos um exemplo das dificuldades no diálogo entre as populações locais e os grandes projetos de desenvolvimento. Completa o quadro o papel que a região pode desempenhar na logística da exportação da produção do agronegócio.

Amazônia Pública: Tapajós em Transe





Nota do Blog: O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix Fischer, suspendeu os efeitos de liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que havia sido concedida para “suspender imediatamente o processo de licenciamento ambiental da UHE São Luiz do Tapajós e, consequentemente, qualquer ato visando o empreendimento, até o julgamento do mérito da presente ação”, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. Portanto, os estudos de viabilidade da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no Pará, podem ter seguimento concomitantemente à oitiva das comunidades indígenas e tribais.

Mentiras e desinformação, assim que o Governo Dilma desrespeita não só os Munduruku como todos os brasileiros


 * Reportagem publicada no site da Secretaria Geral da Presidência da República
** Ver nota do blog

Governo federal reúne com indígenas Munduruku em Jacareacanga
26 de abril de 2013


A comitiva do governo federal, composta pelo secretário nacional de Articulação Social (Secretaria-Geral da Presidência da República), Fundação Nacional do Índio (Funai) e técnicos do Ministério das Minas e Energia (MME), reuniu-se nesta quinta-feira (25/4) em Jacareacanga, Pará, com lideranças do povo Munduruku, vereadores dessa etnia e representantes da prefeitura local. O objetivo da reunião foi dialogar a respeito do processo de consulta aos povos indígenas, que vivem na bacia do Rio Tapajós, sobre os projetos de empreendimentos hidrelétricos elaborados para a região.
Apesar de terem combinado este diálogo, outras lideranças indígenas não compareceram. No dia anterior essas lideranças exigiram mudar o local do encontro, da cidade de Jacareacanga para a aldeia Sai-Cinza, localizada a cerca de 40 minutos de barco. Essa exigência não foi aceita pela comitiva, pois todo o encontro – incluindo contatos, convites, tempo de duração, espaço na escola municipal e divulgação - havia sido organizado para ser naquela cidade, com a pauta focada na construção do processo de consulta. A escola municipal Carmem Valente da Silva foi solicitada ao prefeito Raulien Queiroz, que suspendeu as aulas naquele dia. O governo federal assumiu todos os custos de deslocamento e  preparação dos indígenas, que puderam se reunir com assessores por dois dias, assim como assumiu todos os custos da reunião conjunta em Jacareacanga.
O secretário Paulo Maldos abriu oficialmente a reunião, com a presença de lideranças indígenas, vereadores indígenas e secretários municipais, explicando o objetivo do encontro e falando da necessidade de um esforço permanente pelo diálogo e entendimento.
Ele disse ainda que todo o processo de consulta aos povos indígenas da região do rio Tapajós deve ser baseado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), referendada pelo Brasil e que garante aos “povos indígenas e tribais” o “direito à consulta prévia, livre e informada” com relação a todos atos administrativos e legislativos que impactem seus territórios e culturas.
O secretário disse ainda que a Convenção 169 já está em vigor no país e que a Secretaria-Geral da Presidência da República está coordenando, com outros ministérios, a regulamentação do direito à consulta, com a participação direta de representantes indígenas. “O processo de consulta na região do Tapajós será a primeira experiência prática, de participação planejada e conjunta, uma espécie de laboratório para a regulamentação da Convenção 169 no país”, concluiu. 
Contribuições
“O momento é de ouvir”, afirmou o cacique Valmar Munduruku. De acordo com ele, são mais de 13 mil indígenas do povo Munduruku, a maioria concentrada no estado do Pará. O cacique disse que as decisões são tomadas de forma coletiva entre os indígenas e sugeriu uma nova reunião entre representantes desse povo e representantes do governo federal.
Já o líder Valdeir Munduruku, disse que os presentes na reunião não tinham condições de decidir pelo conjunto dos indígenas, mas se prontificou em levar a proposta de novo encontro e as explicações sobre o processo de consulta ao restante dos caciques. Ele sugeriu que as cartilhas sobre a Convenção 169 sejam traduzidas para o idioma Munduruku e que sejam realizadas reuniões informativas, com a presença de tradutores, específicas para as mulheres, jovens, pajés e caciques.
Ivânio Alencar, secretário de Assuntos Indígenas da Prefeitura de Jacareacanga, também propôs a realização de reuniões entre os prefeitos, vereadores e lideranças indígenas da região para debater a proposta de consulta. 
O secretário de Articulação Social reiterou a importância de se construir “um caminho conjunto, baseado no respeito e na confiança mútua” entre os indígenas e o governo federal. De acordo com ele, a proposta da Secretaria-Geral é a formação de um grupo de trabalho entre representantes Munduruku e a prefeitura municipal, para avaliarem a possibilidade de uma nova reunião. Se convidado, o governo federal aceitará o convite, sempre na busca do diálogo e do entendimento.
Compromisso
No compromisso firmado com lideranças indígenas durante a Assembleia Extraordinária do povo Munduruku, ocorrida em janeiro de 2013 na aldeia Sai-Cinza, a Secretaria-Geral da Presidência da República responsabilizou-se por encaminhar a pauta com 33 reivindicações, afetas a vários ministérios.
Durante a reunião de ontem, o secretário deu informes sobre o andamento dessa pauta. Em destaque, políticas públicas como educação, saúde, desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas e a homologação da Terra Indígena Kayabi, decreto de homologação assinado pela Presidenta Dilma no dia anterior. Com mais de um milhão de hectares, a Terra Indígena Kayabi engloba territórios dos estados do Mato Grosso e Pará e beneficia diretamente os povos Munduruku, Kayabi e Apyacá.


** Nota do blog: O que a reportagem chama de reunião foi, na verdade, um esclarecimento prestado pela comitiva aos curiosos e alguns poucos vereadores de Jacareacanga que estavam no local vendo toda a movimentação bélica no lugar. E o que eles chamam de lideranças indígenas eram pessoas da cidade de Jacareacanga que, para quem não sabe ou não conhece a região, é em sua maioria composta por indígenas. O que faltou explicar na reportagem é que as lideranças indígenas, que representam o povo Munduruku do baixo, médio e alto Tapajós, que vivem nas aldeias e sofrerão mais intensamente/diretamente as consequências da barragem do rio, estavam sim em Sai Cinza, onde a reunião foi marcada e agendada com o governo federal.
Reparem na foto postada no site da Secretaria Geral da Presidência da República (que republiquei aqui): eles escolheram justamente uma foto fechada, que coloca em evidencia um indígena paramentado e os representantes do governo. Porque não escolheram uma foto aberta, que mostrasse toda a dimensão do lugar? Simples, o local estava vazio e e evidenciaria que essa "reunião" não é oficial e muito menos "um esforço permanente pelo diálogo e entendimento". Esse tipo de atitude não é novidade para a população do Tapajós, essa é a tática do governo federal, essa é a boa-fé e esforço de diálogo adotado por ele. O discurso dos representantes da Dilma aqui na região é: - Nós temos força bélica e vamos passar por cima de quem se opor as hidrelétricas do Tapajós. Para a população das regiões sul e sudeste o governo usa desse tipo de reportagem totalmente mentirosa e com artifícios para reforçar a ilusão, além, claro, de posar de bom moço.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Governo se recusa a ir à aldeia Sai Cinza reunir com os Munduruku

Carla Ninos

A reunião prevista para esta quinta-feira (25 de abril) entre representantes da Secretaria Geral da Presidência da República e o povo Munduruku não aconteceu. É que os representantes do governo federal, convidados por mais de 100 caciques Munduruku das diversas aldeias da região a comparecer na aldeia Sai Cinza para uma reunião, simplesmente se recusaram a ir à aldeia.
O governo federal ao aceitar o convite feito pelos indígenas, como sinal de boa-fé, prometeu que a reunião seria um espaço onde seria apresentada a proposta de consulta a ser feita aos indígenas sobre a construção da hidrelétrica de São Luiz Tapajós. Gastou dinheiro público para deslocar 200 homens, fortemente armados, da Força Nacional e ainda da Polícia Federal, além da comitiva da Presidência da República, dentre os quais estava presente Thiago Garcia - Assessor Técnico da Secretaria Nacional de Articulação Social, Ministério das Minas e Energia e da Fundação Nacional do Índio (Funai), para chegar na hora, não ir à aldeia e ainda impor condições aos índios. Cadê a boa-fé Ministro Felix Fischer?
Os Munduruku estavam reunidos desde a última terça-feira (23) discutindo estratégias e uma proposta de modelo de consulta aos povos indígenas junto com parceiros, para apresentar na reunião com a comitiva do governo. Segundo relatos que chegam de Jacareacanga, os representantes do governo destacados para este diálogo, chegaram à noite, nesta quarta-feira (24) em Jacareacanga, em três caminhonetes da Polícia Federal e um ônibus da Força Nacional. Eles militarizaram uma escola municipal e queriam que os indígenas se deslocassem da aldeia para fazer a reunião nesse Forte.
Na manhã desta quinta-feira (25), uma comissão dos indígenas foi à Jacareacanga para verificar se os representantes do governo, afinal, estavam na área e foram informados dessa condição. Voltaram para a aldeia e se recusaram a participar da reunião nesses termos, afinal o convite foi claro sobre o lugar da reunião. Os munduruku conseguiram reunir lideranças do baixo, médio e alto Tapajós, feito dificílimo diante da conjuntura da região e as distancias entre as aldeias. O povo Munduruku foi, mais uma vez, desrespeitado pelo governo federal, que ainda saiu falando que a culpa da reunião não ter acontecido foi dos índios.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Alguém consegue explicar a lógica do Governo?


Carla Ninos

É impressionante a quantidade de portarias e decretos deste governo para promover a "proteção e segurança" das terras e dos povos indígenas, pois o que se vê é justamente o contrário. Na Operação Tapajós, que voltou a ser liberada pelo STJ, que enfatiza em sua decisão a boa-fé do governo no modo de agir; é uma verdadeira operação de guerra, com homens fortemente armados realizando barreiras na estrada e no rio, intimidando e revistando a população como se fosse “o inimigo”, desrespeitando os direitos civis e intimidando a todos com o seu poderio militar. Será que a boa-fé do governo está no modo truculento com que os militares da Força Nacional estão tratando a população e os indígenas? Nos voos rasantes dos helicópteros militares em Itaituba, nas comunidades ribeirinhas e nas aldeias Munduruku?
Eu gostaria que o ministro Felix Fischer fizesse uma visita à região do Tapajós para acompanhar a Operação, que muito bem enfatizada por ele, tem o real objetivo de assegurar a ilusão criada sobre “planejamento estratégico do governo em relação às políticas de desenvolvimento do setor energético”. Em sua decisão, o ministro Fischer apenas reforça as lorotas do governo Dilma sobre a construção das hidrelétricas como estratégico para o “crescimento econômico” do país. Ministro venha a Bacia do Tapajós, veja o clima de terror instaurado pelos militares, e aproveite para dar uma boa olhada na situação de miséria e abandono que os indígenas vivem nas aldeias e cobre da Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República esclarecimentos sobre a conivência desta pasta com os crimes e violações dos direitos humanos dos indígenas.
O verdadeiro desenvolvimento para essa região, falando por baixo, não é a destruição do rio Tapajós e seus afluentes, muito menos o genocídio do Povo Munduruku e a desapropriação das comunidades ribeirinhas. Desenvolvimento é garantir direitos básicos como uma educação de qualidade, saúde de qualidade. Investimento em infraestrutura não é construir barragens nos rios e sim melhorar a estrutura urbana dos municípios, garantir o saneamento básico, acabar com os lixões a céu aberto, que podem contaminar nossos aquíferos, afinal temos a maior reserva de água doce do mundo, mas que não terá nenhum valor se for contaminada.
O verdadeiro “prejuízo bilionário” que todos nós teremos é a perda de toda cultura milenar dos povos da Amazônia, do modo de vida das populações ribeirinhas, da biodiversidade. Prejuízo é perder todo tesouro de informações sobre os modos de vida ancestrais que as terras pretas ocultam. Olhar para o futuro é permitir que o presente seja preservado e impedir que o passado seja destruído.
Para o crescimento do Brasil o governo tem sim que investir nos 'gargalos' que impedem o escoamento da produção. Bilhões de reais são desperdiçados no sistema elétrico e na Transposição do rio São Francisco, enquanto que a precariedade dos Transportes representa 20% no preço de tudo que se compra. Aliado a isso, a corrupção também gera um prejuízo de bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União, grandes obras no país além de ser superfaturada, ainda são mal feitas, as obras do PAC estão aí para comprovar.
Uma boa mostra do quanto essa deficiência em Transportes gera perdas exorbitantes e impede o crescimento do país, É a reportagem da jornalista Sonia Bridi feita para a série especial "Brasil, quem paga é você" exibida no último domingo (21) no Fantástico.

Confira a reportagem AQUI.


Decisão do ministro Felix Fischer
Os estudos de viabilidade da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no Pará, podem ter seguimento concomitantemente à oitiva das comunidades indígenas e tribais. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix Fischer, suspendeu os efeitos de liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.
Segundo o presidente do STJ, a consulta às comunidades afetadas, como quer o Ministério Público, é obrigatória antes do início da execução do empreendimento que poderá afetar as comunidades envolvidas, mas não nesta fase embrionária.
A liminar do TRF1 havia sido concedida para “suspender imediatamente o processo de licenciamento ambiental da UHE São Luiz do Tapajós e, consequentemente, qualquer ato visando o empreendimento, até o julgamento do mérito da presente ação”. O pedido de suspensão da liminar foi feito ao STJ pela União e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

OIT
A consulta às comunidades é prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada no Brasil pelo Decreto 5.051/04. Pela norma, havendo alguma medida administrativa que afete, de modo direto, as comunidades indígenas e tribais, o governo deve consultá-las de forma antecipada, incluindo-as no processo participativo de tomada de decisões.
Porém, para o ministro Fischer, os estudos preliminares relativos à própria viabilidade do empreendimento não poderiam afetar diretamente as comunidades locais. Ele ressalvou que o início do empreendimento em si, no entanto, não poderá ser feito sem essa consulta. A decisão do presidente impede que a licença ambiental seja concedida sem essa audiência prévia.
“Em outras palavras, não poderá o poder público finalizar o processo de licenciamento ambiental sem cumprir os requisitos previstos na Convenção 169 da OIT, em especial a realização de consultas prévias às comunidades indígenas e tribais eventualmente afetadas pelo empreendimento”, explicou o presidente.

Boa-fé do governo
O ministro destacou que a norma da OIT não especifica o procedimento a ser adotado. A convenção dispõe que o governo deve agir com boa-fé e de modo adequado às circunstâncias para fazer cumprir seus princípios, e isso estaria demonstrado no caso, já que o governo vem promovendo debates e reuniões com as lideranças indígenas que podem ser afetadas. Uma das reuniões estaria marcada para o dia 25 de abril próximo.
Ele apontou também que o projeto está em fase embrionária, sem que possa, enquanto se mantiver como projeto, gerar efeitos negativos nas comunidades.
Ao contrário, para o ministro, “a realização dos estudos milita em favor das comunidades envolvidas, pois, assim, terão a oportunidade de, por exemplo, conhecer os impactos ambientais a que as localidades estarão afetas, caso o projeto seja efetivamente implantado”.
“O desenvolvimento desses estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental poderá permitir às comunidades envolvidas maior conhecimento e, consequentemente, permitirá uma discussão mais ampla a respeito da viabilidade do empreendimento”, completou.

Prejuízo bilionário
Entre as hipóteses para a concessão da suspensão de liminar está o risco de grave dano à ordem pública. Para o ministro Fischer, a interrupção do planejamento estratégico do governo em relação às políticas de desenvolvimento do setor energético do país poderia comprometer a prestação de serviços públicos, afetando o interesse público ao impedir a expansão do setor e comprometer o crescimento econômico do país.
Ele destacou que já foram gastos mais de R$ 10 milhões com o deslocamento de técnicos para a realização dos estudos, que só podem ser executados em período de cheia. A interrupção neste momento significaria desperdiçar recursos públicos e comprometer o planejamento energético brasileiro.
Conforme alegado pelo governo, o atraso poderia levar a um custo adicional de R$ 2,5 bilhões anuais, pela não substituição da fonte energética térmica pela hidráulica.

Mais um Decreto da Presidenta visando a "proteção" dos territórios indígenas


Da Agência Brasil

Os ministérios da Justiça e do Meio Ambiente publicaram nesta terça-feira (23), no Diário Oficial da União, a Portaria Interministerial n°117, que institui o comitê gestor da PNGATI (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas).
A política, estabelecida pelo Decreto Presidencial nº 7.747, tem como objetivo “garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas”.
O comitê gestor da PNGATI ficará responsável pela coordenação da execução da política indígena e será integrado por oito representantes governamentais e oito representantes indígenas, definidos na segunda-feira (22), pela Portaria Interministerial nº 1.701.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Documento que registra extermínio de índios é resgatado após décadas desaparecido



Relatório de mais de 7 mil páginas que relatam massacres e torturas de índios no interior do país, dado como queimado num incêndio, é encontrado intacto 45 anos depois

Por Felipe Canêdo*


Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas no país – principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) –, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.

Em uma das inúmeras passagens brutais do texto, a que o Estado de Minas teve acesso e publica na data em que se comemora o Dia do Índio, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.

Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina, o texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.

A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.

Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que havia sido constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.

 O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento até então guardado entre 50 caixas de papelada no Rio de Janeiro. Ele afirma que o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que possivelmente estão envolvidos nas denúncias da época antes de ser achado. “Já tem gente que está tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.

Suplícios
O contexto desenvolvimentista da época e o ímpeto por um Brasil moderno encontravam entraves nas aldeias. O documento relata que índios eram tratados como animais e sem a menor compaixão. “É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios”, lamentava Figueiredo. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação”. Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os algozes que ceifaram tribos inteiras e culturas milenares.

Fonte: O Estado de Minas

Nenhum dia mais é dia do Índio


Por Marcio Santilli*

Com o fim da ditadura, o Dia do Índio foi adotado como ocasião oportuna para os governos apresentarem um balanço do que andam fazendo a respeito e, via de regra, aproveitarem a visibilidade do assunto para anunciar demarcações de terras indígenas (TIs). Cumprimento, ainda que lento, da Constituição.


Há também os que consideram a homenagem uma forma hipócrita de afagar aqueles a quem se negam direitos nos demais dias do ano: “todo dia era dia de índio”. Ou, deveria ser, pois são atores vivos do presente e do futuro, não apenas do passado. Em 2012, no entanto, a presidente Dilma preferiu nem realizar qualquer cerimônia, muito menos anunciar alguma demarcação. Pouco depois, homologou sete TIs, num total de pouco mais de 900 mil hectares. E seguiu-se um ano duro para os índios, com os processos fundiários quase paralisados, nenhum investimento sério na gestão das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem consulta e com condicionantes fictícios.


Nunca antes na história deste país, porém, havíamos assistido a uma semana do índio como esta, de 2013, antecedida do envio da Força Nacional para aterrorizar aldeias dos índios Munduruku, que se opõem à implatanção de mais de hidrelétricas no Rio Tapajós (PA), o que o transformará numa sequência de lagos mortos que inundariam parte das suas terras. Enquanto isso, o presidente da Câmara, Henrique Alves, anunciou a instalação de uma comissão para analisar uma proposta de emenda à Constituição visando travar, no Congresso, a demarcação de TIs. Uma emenda para descumprir o princípio constitucional. Depois da ocupação do plenário da Câmara por manifestantes revoltados com a medida, Alves suspendeu a discussão do assunto por seis meses.


Vale destacar o esforço da Fundação Nacional do Índio (Funai), neste ano, para identificar as terras dos Guarani Kaiowá, etnia mais numerosa do Brasil e que dispõe de menor extensão de áreas do que as destinadas aos assentados da reforma agrária do Mato Grosso do Sul. Já o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em vez de tomar a decisão política de oficializar essas terras, que cabe a ele e não à Funai, prefere receber ruralistas, acolher interesses contrariados e fragilizar a posição da órgão vinculado ao seu ministério. Em 28 meses de governo, ele delimitou apenas duas TIs, num total de 5 mil hectares. Até o momento, é o ministro mais omisso, desde o final da ditadura, no que se refere ao provimento de justiça.

Pior ainda foi a atuação da Advocacia Geral da União (AGU), que, na esteira de escandalosos pareceres produzidos para atender interesses escusos, também expediu uma portaria para generalizar restrições às demarcações. Em vista de intensos protestos, a AGU acabou suspendendo a norma, sem, no entanto, reconhecer e revogar o dano pretendido às TIs, que são bens da União.

Também cabe um destaque positivo para a retirada de invasores da terra Marãiwatséde, dos Xavante (MT), para a qual foi decisiva a ação articulada de vários órgãos, por meio da Secretaria Geral da Presidência. Mas não há como atender à demanda acumulada por uma secretaria sem estrutura executiva. Os pontos de apoio que restam aos índios dentro desse governo estão remando contra a corrente.

Atravessamos conjunturas diversas e adversas para os direitos indígenas no período democrático mais recente. Mas o atual governo é o primeiro a renunciar à responsabilidade histórica e à obrigação constitucional de tutelar os direitos das minorias, cujo destino foi relegado às correlações locais de força e à sanha dos seus inimigos. 
Assim, nenhum dia mais será dia de índio.

*Publicado originalmente na seção Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo, de 19 de abril de 2013. Coordenador de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA).Formado em Filosofia, foi deputado federal pelo PMDB-SP (1983-1986) e presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), entre 1995 e 1996. Texto publicado originalmente no sítio do Instituto Socioambiental.

Carta dos Povos Indígenas do Brasil



Desde que assumiu a presidência, em 2011, Dilma Rousseff tem se negado a dialogar com o movimento indígena. Durante esta semana, em mobilizações legítimas de nossos povos reunidos no Abril Indígena – 2013, fomos recebidos pelos presidentes da Câmara dos Deputados (Legislativo) e do STF (Judiciário). A presidenta Dilma se negou a falar conosco ou marcar audiência para os próximos dias. Por quê? 

Nesta quinta-feira, 18 de abril, estivemos no Palácio do Planalto, mais de 700 lideranças, representando 121 povos indígenas. Protestamos porque nossos parentes estão sendo assassinados, porque nossas terras não são demarcadas. Pedimos uma audiência com Dilma, mas o máximo que nos ofereceram foi uma conversa com o ministro Gilberto Carvalho e um encontro com os demais ministros nesta sexta-feira, 19 de abril, Dia do Índio, para o governo ter a foto para suas propagandas de que é preocupado com as questões dos índios.

Não, não queremos mais falar com quem não resolve nada! Há dois anos entregamos, nós povos indígenas, durante o Acampamento Terra Livre 2011, uma pauta de reivindicações para esses ministros e nada foi encaminhado. De lá para cá perdemos as contas de quantas vezes em que Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores, a turma das hidrelétricas. Fez portarias e decretos para beneficiá-los e quase não demarcou e homologou terras tradicionais nossas. Deixou sua base no Congresso Nacional entregar comissões importantes para os ruralistas e seus aliados.

A gente não negociou nada durante os protestos no Palácio do Planalto. Queríamos dizer o que nos angustia e preocupa; queríamos dizer isso para a presidenta. Dilma está aliada de quem nos mata, rouba nossas terras, nos desrespeita e pouco se importa para o que diz a Constituição. Quando Dilma não diz nada diante de tudo o que vem acontecendo – mortes, PEC 215PL 1610 – e ainda baixa o decreto 7957/2013 e permite a AGU fazer a Portaria 303,Dilma mostra de que lado está e sua expressão anti-indígena.  

Luziânia, Goiás, 19 de abril de 2013
Povos indígenas reunidos no Abril Indígena - 2013

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Atual projeto de nação não tem lugar para povos indígenas, diz indígena e doutor em antropologia


Thiago Pimenta - Portal EBC 12.04.2013
Gersem Baniwa (Daiane Souza/UnB Agência)

Após manifesto de funcionários da Funai por um plano de  indigenismo brasileiro, o Portal EBC entrevistou o indígena e doutor emantropologia Social, Gersem Baniwa, que atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Na opinião de Gersem, que é originário do grupo indígena Baniwa (localizado normalmente no noroeste do Amazonas), um plano indigenista passa previamente por um projeto de nação do país, não podendo acontecer de forma dissociada: “Quando observamos a difícil situação de vida dos povos indígenas, pelas permanentes violações de seus direitos básicos, como o direito ao território e à saúde, podemos acreditar que ou o Brasil ainda não definiu seu projeto de nação; ou já definiu e neste projeto não há lugar para os povos indígenas”, destaca.
O pesquisador,  que já trabalhou em projetos no Ministério da Educação, reconhece alguns avanços das ações do governo na área escolar e na saúde indígena. O pesquisador reforça os esforços de gestores e técnicos que tentam avançar nas políticas indigenistas, mas denuncia as pressões sofridas pelos índios brasileiros por outros setores.

Confira a entrevista por temas:

Portal EBC: Antes de tudo, em que consiste um plano indigenista?
Gersem: Um plano indigenista para o Brasil passa pela existência de um Projeto de Nação do Brasil. Quando observamos a difícil situação de vida dos povos indígenas, pelas permanentes violações de seus direitos básicos, como o direito ao território e à saúde, podemos acreditar que ou o país ainda não definiu seu projeto de nação; ou já definiu e neste projeto não há lugar para os povos indígenas.

Portal EBC: O texto da Constituição de 88 reconhece aos indígenas o direito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e dá a eles os direitos originários sobre as terras que ocupam. Já a União é responsável por demarcar essas terras, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Não seria esse o começo desse projeto?
Gersem: A sociedade brasileira tentou dar sua contribuição por ocasião da Constituinte de 1988, assegurando direitos básicos que garantissem a continuidade étnica e cultural dos povos indígenas, por meio dos direitos sobre suas terras tradicionais e o reconhecimento de suas culturas, tradições e organização social, além do reconhecimento da plena capacidade civil e de cidadania. Minha hipótese é de que essas conquistas legais tinham relação com sentimento de culpa pelos séculos de massacres e mortes impostos aos índios pelos colonizadores, portanto, como medidas reparadoras do ponto de vista moral.
Mesmo reconhecendo alguns avanços pontuais no campo da educação (acesso à educação básica e superior ampliado), do direito à terra principalmente na Amazônia Legal e de participação política (06 prefeitos e 76 vereadores indígenas), o Estado continua passando por cima das cabeças e de caveiras dos povos indígenas como acontece de forma escancarada e vergonhosa no Estado de Mato Grosso do Sul, onde os índios Guarani-Kaiowá continuam sob fogo cruzado por fazendeiros e políticos da região. Para as elites econômicas e políticas do país, os povos indígenas continuam sendo percebidos e tratados como empecilhos para o desenvolvimento econômico do país (que na verdade é o enriquecimento desses grupos). Portanto, um plano indigenista brasileiro depende necessariamente da clareza de que nação, sociedade e país se quer construir. Os povos indígenas só terão chance se o Brasil assumir com seriedade a construção de um projeto de nação baseada em uma sociedade pluriétnica, multicultural e solidária.

Portal EBC: Quais seriam os pontos são mais importantes para um bom plano indigenista para o país?
Gersem: O ponto mais importante de um plano indigenista é garantir as condições reais para a garantia plena dos direitos indígenas, baseadas no protagonismo e na cidadania dos indivíduos e coletividades indígenas. Somente a garantia desses direitos pode garantir a continuidade étnica e cultural desses povos, por meio de segurança territorial, segurança econômico-alimentar, política de educação adequada e  política de saúde eficiente.  Isso também daria sinal de que os povos indígenas podem ter seu espaço na sociedade brasileira. Percebemos uma grande contradição na política indigenista atual: uma parte minoritária do Estado (governo) que tenta adotar o discurso e a prática em favor dos povos indígenas e a outras majoritária que ao contrário, adota discursos e práticas anti-indígenas.

Portal EBC: Como você vê a atual situação dos indígenas brasileiros? O que precisa mudar?
Gesem: Hoje os povos indígenas do Brasil passam por uma situação muito difícil e ruim, com violações constantes aos seus direitos e com a crescente violência física e de morte que sofrem. Os dez anos seguintes à promulgação da CF de 1988 foram de gradativo processo de conquistas de direitos concretos (demarcação de terras, educação escolar, organização social e participação política) mas, os últimos três anos foram de estagnação com forte tendência de retrocesso sem precedentes para os povos indígenas.  A leitura que faço é que o Estado (comandado pelas elites políticas e econômicas) se arrependeu de reconhecer os direitos indígenas e agora faz de tudo para, em primeiro plano, violar esses direitos e em segundo plano, anular ou reduzir esses direitos. Ou é isso, ou o Estado está assumindo sua incapacidade e incompetência para garantir os direitos dos povos indígenas. As políticas existentes são completamente insatisfatórias. Estão sempre voltadas para resolver ou minimizar problemas acumulados. As políticas indigenistas continuam sendo autoritárias, paternalistas e tutelares. Embora o Brasil tenha adotado a Convenção 169 da OIT, há anos, até hoje ela não foi regulamentada. Neste sentido, um plano indigenista moderno precisa superar seriamente a visão imediatista, autoritária e de descaso institucional. Precisa ser construído um plano transparente e participativo de curto, médio e longo prazo, com metas, objetivos e condições claros de implementação. O mais importante é o plano indigenista ser do Estado e não apenas de um governo ou do órgão indigenista.

Portal EBC: Que ações merecem destaque na atual política indigenista?
Gersem: É importante reconhecer que nos últimos houve esforços e tentativas do governo federal em avançar nas políticas de atendimento voltadas para os povos indígenas, principalmente após o fim do monopólio da política indigenista pela Fundação Nacional do Índio (Funai), no início da década de 1990. O Ministério da Saúde tem se esforçado para tentar responder às demandas indígenas. O Ministério do Meio Ambiente iniciou experiências inovadoras ainda no final da década de 1990 em apoio técnico e financeiro para projetos socioeconômicos alternativos e autossustentáveis de comunidades indígenas na Amazônia. O Ministério da Educação empreendeu esforços junto aos estados e municípios em busca de melhorias no atendimento escolar às aldeias indígenas. Sem dúvida que essas experiências das últimas duas décadas lograram avanços e êxitos parciais e de algum modo contribuíram para a recuperação da autoestima e de esperança no futuro dos povos indígenas, expressa por meio do crescimento demográfico desses povos que está se aproximando de um milhão de indígenas no país (considerando que na década de 1960 chegaram à cifra de 200.000 indígenas) e da presença cidadã dos indígenas na vida do país. As experiências revelaram também questões preocupantes, como as limitações do Estado no atendimento aos direitos e anseios indígenas. Os gestores e técnicos de ministérios bem que tentaram avançar nas políticas voltadas aos povos indígenas, mas percebe-se atualmente o limite dessas possibilidades, diante do contexto político e econômico do país. Essas possibilidades esbarram na falta de vontade política dos dirigentes maiores em dar relevância às questões indígenas. Sem determinação política o tema nunca entra na lista de prioridades do governo e, por isso, as instâncias e estruturas que atuam junto a esses povos estão sempre esvaziadas, desestruturadas e desqualificadas, sem recursos financeiros, sem equipes e sem condições administrativas. Deste modo fica difícil assegurar os direitos indígenas que ficam a mercê dos interesses econômicos anti-indígenas. Muitas vezes parece que o governo se presta a servir aos interesses desses grupos.

Portal EBC: Como você avalia o trabalho da Funai hoje?
Gersem: Nos últimos dez anos a Funai tem se esforçado para estar ao lado dos povos indígenas no enfrentamento dos problemas existentes nas aldeias, mas é um órgão do Estado e dos governos, portanto, dominada pela incapacidade e ineficiência institucional. É um órgão com eminência de falência institucional, por ausência de força e crédito político, falta de recursos humanos, equipe reduzida e mal preparada, e com infraestrutura arcaica. É evidente o processo de sucateamento e enfraquecimento do órgão nos últimos anos, na mesma proporção em que as oligarquias econômicas e políticas nos municípios e Estados se organizaram e se fortaleceram contra os direitos indígenas. O enfraquecimento da Funai é o mais claro exemplo do descompromisso do governo e do Estado para com a defesa e garantia dos direitos indígenas no país. Com isso, os povos indígenas cada vez mais estão à mercê e se tornam reféns de municípios, estados e grupos políticos e econômicos hostis aos direitos indígenas. Isso deixa claro também a necessidade de reorganização e fortalecimento do papel do governo federal na defesa e garantia desses direitos.

Portal EBC: Como você vê a atual atenção à saúde prestada aos indígenas?
Gersem: A política de saúde indígena no Brasil é a que mais se esforçou na busca por um plano mais adequado para o atendimento aos povos indígenas que teve início com a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI´s), enquanto uma etnoterritorialização do atendimento, o que é uma ideia inovadora com grandes possibilidades. No entanto, tem sofrido como todas as demais políticas indigenistas das profundas contradições e irracionalidades da política e da administração pública brasileira. Recentemente foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena, como resultado de décadas de luta dos povos indígenas, mais uma iniciativa relevante e, no entanto, foi neutralizada pelos gargalos administrativos homogêneos da burocracia estatal pensada para atender as realidades dos centros urbanos. Sem equipes e sem condições logísticas adequadas, a política de saúde indígena está sendo um pesadelo para a saúde dos povos indígenas. O mesmo acontece no campo das políticas de educação escolar indígena, principalmente em regiões da Amazônia e do Nordeste, onde construções de infraestrutura e transporte logístico básicas não são possíveis de serem resolvidas pelos irracionais procedimentos licitatórios. O mesmo acontece com a falta de recursos humanos qualificados para atuar nas aldeias ou próximo às aldeias, pois as formas de contratação, temporárias ou de carreira, não são adequadas, pois dificilmente profissionais qualificados se dispõem a trabalhar nas aldeias com baixos salários pagos pelo poder público. 

Portal EBC: Como você vê a situação dos indígenas isolados e recém-contatados?
Gersem: Entendo que esses povos apresentam consciência sobre a situação de não estabelecerem contato permanente com a sociedade nacional e por isso devem ser respeitados nessa decisão. Neste sentido, cabe ao Estado protegê-los, criar condições de proteção sem ação interventiva ou esforço para estabelecer contato, pois estes povos fazem parte da nação brasileira, ainda que desconhecidos da população majoritária.

Portal EBC: Quais são as maiores pressões sofridas pelos indígenas brasileiros? Quais são os agentes dessas pressões?
Gersem: Na atualidade, as maiores pressões aos povos indígenas vêm dos grupos ruralistas e mineradores do país além, é claro, dos próprios agentes do Estado e das grandes construtoras interessados pelos territórios indígenas e principalmente pelos recursos naturais neles existentes. As principais ameaças vêm das elites econômicas, principalmente ruralistas, na medida em que estão, a todo custo, espoliando as terras indígenas. É importante afirmar que não é possível garantir a continuidade etnocultural dos povos indígenas sem a garantia territorial. Mas não podemos esquecer a outra ameaça que vem das igrejas religiosas, que estão realizando, verdadeiros massacres culturais por meio de suas imposições doutrinárias em detrimento das culturas e valores indígenas.

Portal EBC: De que forma essas pressões podem ser aliviadas?
Gersem: Primeiro, a partir de um ordenamento territorial, respeitando-se os direitos constitucionais dos povos indígenas. No Brasil, é necessário se criar o hábito e a cultura de se respeitar as leis e o Estado ou governos precisam criar vontade e capacidades para exerceram o poder para zelar pelo cumprimento das leis, indistintamente de classes, grupos sociais ou credos. Segundo, é necessário respeitar a legislação nacional e internacional que asseguram a participação e a consulta prévia e qualificada aos povos indígenas em qualquer projeto ou programa governamental que lhes afetem. Em terceiro lugar, o que é mais importante é a superação do preconceito histórico sobre os povos indígenas de que são empecilhos para o desenvolvimento do país e a superação do racismo que considera os povos indígenas como atrasados ou não civilizados. Não é possível pensar o Brasil desenvolvido e civilizado enquanto não aprender a respeitar e valorizar um dos seus três pilares étnicos, que formaram o povo e a nação brasileira, que são os povos indígenas ou povos originários.

Portal EBC: As grandes obras como a construção de hidrelétricas e rodovias também ameaçam os povos indígenas?
Gersem: Sem dúvida, depois da luta pela terra as construções de grandes obras ameaçam seriamente a vida presente e futura dos povos indígenas, na medida em que afetam diretamente os ecossistemas dos territórios indígenas que são fundamentais para a sobrevivência física e cultural. É importante destacar que os povos indígenas precisam integralmente de seus territórios, enquanto ecossistemas integrados e abrangentes para perpetuarem suas culturas, tradições, seus conhecimentos e seus modos de vida.

Portal EBC: Qual a sua opinião sobre a recente militarização nessas grandes obras, como a presença da Força Nacional no Complexo Tapajós?
Gersem: Acho completamente desnecessária e mostra claramente a atitude arbitrária e autoritária do governo. Mostra ainda total falta de sensibilidade e capacidade de diálogo com o movimento social indígena. E o que mais assusta com essa atitude do governo é a possibilidade de que o governo esteja radicalmente decidido a seguir o discurso de em nome do “relevante interesse público” passar por cima dos povos indígenas, ou seja, mais uma vez os povos indígenas podem pagar com suas vidas o suposto bem estar da sociedade majoritária e pode no futuro próximo estimular instabilidade social nas regiões e no país. Um diálogo franco, transparente e democrático com os interessados deveria ser instituído para mediar e solucionar conflitos de interesses. Nem sempre a força física e militar é a melhor solução para muitos casos.

Portal EBC: A lei 5.371 diz que a Funai deve exercer o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio. Como você vê a questão do poder de polícia conferido à Funai? A instituição deve ter autonomia ou deve recorrer a outros órgãos de segurança pública? 
Gersem: Em primeiro lugar não tenho nada contra o poder de polícia da Funai, mas acho isso completamente inviável pelas condições em que o órgão se encontra: enfraquecido, desestruturado e principalmente sem equipe qualificada. Em segundo lugar, é importante considerar o papel do estado brasileiro na defesa e proteção dos direitos dos povos indígenas e, para isso, dispõe de vários instrumentos e mecanismos institucionais, como Ministério Público, a Polícia Federal e a Força Nacional e outros órgãos. Não acredito que somente uma Funai armada irá resolver os problemas dela e dos povos indígenas, mas sim um plano indigenista sério, forte e eficiente, com o peso e a responsabilidade do Estado e dos governos.

Portal EBC: Um delegado da Polícia Federal da Delegacia Vilhena, em Rondônia, sugeriu que a Funai fizesse a regularização quanto ao porte de armas de fogo por parte dos servidores. Você é contra ou a favor do porte de armas por funcionários da instituição?
Gersem: Em primeiro lugar sou contra porte de armas para qualquer cidadão que não represente órgãos de segurança pública, de modo que os funcionários da Funai só deveriam portar armas caso eles exerçam poder de polícia, caso contrário sou completamente contra.

Portal EBC: Na sua opinião, qual é a maior urgência do indigenismo brasileiro?
Gersem: A maior urgência é a definição clara de uma política indigenista para o país com metas de curto, médio e longo prazo. Uma política que estabeleça com clareza o lugar dos povos indígenas na nação brasileira. E para mostrar compromisso e seriedade com esta política é fundamental a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas que expresse este plano indigenista de curto, médio e longo prazo de forma articulado. O governo federal precisa assumir a responsabilidade pela defesa e proteção dos direitos desses povos, conforme determina a Constituição Federal. Só uma atuação exemplar do governo federal pode tirar os povos indígenas das mãos sanguinárias das elites econômicas, principalmente ruralistas.

Portal EBC: Quais são as perspectivas futuras para o indigenismo brasileiro?
Gersem: De muita angústia, muita dúvida e muita luta na tentativa de evitar que mais uma onda de genocídios volte a ser executada no Brasil. A esperança está em uma geração de jovens indígenas que estão se formando nas academias brasileiras e que ao longo dos próximos anos vão estar assumindo a liderança de suas aldeias e seus povos e, em muitos casos, também ocupando espaços nos órgãos da administração pública e nos poderes constituídos do país e que podem propor e construir novas alternativas de resistência e sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. O grande desafio dessa nova geração de lideranças indígenas é domesticar a hostilidade, a ambição, a vaidade e o senso de tirania dos grupos políticos e econômicos que dominam as estruturas e as políticas do Estado e dos governos. Mas tenho certeza que os povos indígenas continuarão sua histórica luta de resistência mas também de fé por dias melhores em mundos melhores.

Edição: Leyberson Pedrosa