sábado, 17 de outubro de 2009

'Histórias de canções'

G1

Curador do site oficial de Chico Buarque, o administrador de empresas Wagner Homem tem, entre outras atribuições, ler mensagens enviadas ao cantor e compositor. Muitas delas são escritas pelos fãs, ávidos por saber como um dos mais geniais artistas da música brasileira cria suas canções. A partir daí, Homem decidiu reunir curiosidades sobre o repertório do artista no livro "Histórias de canções - Chico Buarque" (Leia, 356 páginas, R$ 44,90).

O lançamento, que dá início às atividades da editora portuguesa Leya no Brasil, não pretende ser um estudo sócio-político ou aprofundado sobre Chico, como explica o próprio autor.

"Não me meto a analisar ou interpretar as letras de Chico Buarque. Simplesmente conto histórias e 'causos'. É um livro popular, para quem gosta de histórias e de MPB", diz Homem.

O livro traz 26 capítulos recheados com saborosos textos sobre as principais músicas do compositor, entre 1964 e 2008. Parcerias, letras, músicos, censura... Nada parece ter ficado de fora. Nem mesmo o que poderia ter desagradado ao próprio Chico, como quando insinuou, de forma irônica, que teria mais respeito por ratos do que por mulheres.

"Achei mesmo que Chico fosse vetar. Porque existe essa mística toda entre ele, as mulheres, a alma feminina etc. Mas ele não disse nada", revelou Wagner. A seguir, leia trechos da entrevista que o autor concedeu, por telefone, ao G1.

G1 — Quando aconteceu seu primeiro encontro com Chico Buarque?
Wagner Homem — Profissionalmente, em 1989. Estava trabalhando na pesquisa de um livro chamado “Chico Buarque – Letra e música” (Cia. das Letras). Anos depois, em 1998, propus ao Chico fazer um site oficial, do qual sou o curador. Mas, muito antes isso, por volta de 1982, já havia tido um contato rápido com ele. Chico estava lançando um livro chamado “A bordo do Rui Barbosa”, que trazia um poema seu, escrito nos anos 60, ilustrado por Vallandro Keating. na ocasião da publicação, fizeram um lançamento no Café Piu Piu, no Bexiga, bairro paulistano. Formou-se uma fila enorme. Lembro-me que, quando cheguei próximo à mesa, só vi a mão do Chico. Mais nada (risos).

G1 — Como surgiu a idéia de escrever o livro?
Wagner Homem — Depois de alguns anos administrando o site, pude perceber o quanto as pessoas procuram por estas essas pequenas histórias e curiosidades. Recebia muitas perguntas por e-mail, mais de cem por dia. Uma loucura. E nem todas podem ser respondidas. Aliás, a maior parte dos artistas não gosta de explicar a própria obra. Acontece que algumas dessas composições têm uma história, surgiram a partir de determinada circunstância. O livro é exatamente sobre isso. Mas não me meto a analisar ou interpretar as letras de Chico Buarque. Simplesmente conto histórias e "causos", para usar aquela conhecida expressão caipira. É um livro popular mesmo, não é dirigido a estudiosos. É para quem gosta de histórias e de MPB. Produzimos, inclusive, um hot site, em que adiantamos algumas destas histórias (http://www.historiasdecancoes.com.br/).

G1 — Chico acompanhou o processo de criação de "Histórias de canções"?
Wagner Homem — Quando propus o livro, ele estava escrevendo “Leite derramado”. Me avisou que não poderia me ajudar naquele momento, porque precisava de tempo para se dedicar ao romance. Mesmo assim, comecei e escrever. Quando "Leite derramado" entrou na fase de finalização, ele pôde ler o meu livro. Chico leu tudo. Fez algumas poucas observações, das quais já nem me lembro, até corrigiu erros de digitação, mas nenhuma objeção. A não ser pela primeira capa do livro, que ele não gostou (risos).

G1
— Teve receio de que alguma história não podesse ser publicada?
Wagner Homem — Para falar a verdade, sim (risos). É sobre a música "Ode aos ratos" [composta em parceria com Edu Lobo e gravada em "Cambaio", de 2001, e "Carioca", de 2006]. Na época em que estava compondo, Chico ligou o Paulo Vanzolini que, além de compositor, é zoólogo. Queria saber como os ratos vivem. Afinal, estava escrevendo uma homenagem a eles. Então, Paulo disse: “Ah, Chico, você mente tanto à respeito de mulher, por que você não faz o mesmo com relação aos ratos”? Chico respondeu: “É que tenho o maior respeito pelos ratos" (risos). Quem me contou isso foi a cantora Mônica Salmaso, em um show em São Paulo. Achei mesmo que Chico fosse vetar. Porque existe essa mística toda entre ele, as mulheres, a alma feminina etc. Mas não disse nada (risos).

G1 — Boa parte do livro se concentra no período em que o Brasil foi governado pelos militares. Você acha que a censura aguçou a criatividade do Chico?
Wagner Homem — Acho que não. Censura não faz bem a ninguém, é sempre um horror. Claro que você acaba desenvolvendo uma técnica, como diz Caetano Veloso, que te faz utilizar as frestas. Você aprende a dizer as coisas nas entrelinhas. Mas isso não é bom, não piora nem melhora a obra de um artista. Teria sido muito melhor sem a censura, porque a coisa teria corrido mais solta. E isso é seguramente melhor. A criação não teria nenhum tipo de interferência.

G1 — Existe alguma história que você tenha achado mais curiosa?
Wagner Homem — Algumas, mas me chama muita atenção a relação entre Chico e Tom Jobim. Tom palpitava muito nas letras, era muito teimoso, o que eu acho até que acabou sendo bom pro Chico. Ele ainda era muito jovem, enquanto Tom já era um senhor, tinha mais experiência com música. Logo na primeira parceria, já apareceu um pepino. Chico escreveu a letra para “Retrato em branco e preto”. Chico fez uma pequena alteração nos versos "Pra lhe dizer que isso é pecado / Eu trago o peito tão marcado". Trocou "peito tão marcado" por “peito carregado”. Tom topou, mas, por telefone, desistiu. “Pode significar que o cara está encatarrado” (risos).

G1 — Existe algum traço em comum que você tenha percebido no processo de criação de Chico em todos esses anos?
Wagner Homem — Não saberia dizer. O que eu sei é que, de uns tempos para cá, compor tem sido uma atividade muito solitária para ele. Talvez essa seja uma característica presente em todas as fases da carreira de Chico Buarque. Acho que essa é uma característica.

G1 — Por que você acha que Chico compõe cada vez com menos frequência?
Wagner Homem — Acho que o tempo fez com que Chico se tornasse um artista mais exigente consigo mesmo. Ele se recusa a se repetir e, talvez por isso, o processo vá ficando mais demorado mesmo. Mas ele continua criando. Vem alternando a música com a literatura. Em algumas entrevistas ele afirma que convive com o medo de que, um dia, a fonte de criatividade seque. Discordo. Acho que fica mais refinada.

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