Por uma razão: ela fala
coisas que os americanos querem que sejam ditas.
Paulo Nogueira - O
jornalista, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de
notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Yoani Sanchez, a blogueira
cubana, recebe uma cobertura enorme da mídia brasileira e internacional por uma
razão: ela critica Cuba.
Por isso ela será tratada
como estrela pop na turnê mundial que começa agora, entre os brasileiros. (O
governo cubano deu uma absurda contribuição à aura de ‘martírio’ de Yoani com
sua indefensável política restritiva para viagens e para o livre debate
político, mas isto é outro assunto.)
No Brasil, sabemos que
escrever contra Lula encurta o caminho rumo a colunas no Globo, na Veja, no
Estadão e na Folha. Ou a participações na CBN e na Globonews, e assim a vida
caminha.
No mundo, escrever contra
Cuba, ainda mais se você é cubano e ainda mais se você vive lá, como Yoani, é
garantia de ampla cobertura da mídia americana, cuja repercussão é planetária.
Ao longo dos anos, esse tipo
de conteúdo serviu aos interesses americanos de fazer propaganda contra
qualquer coisa parecida com socialismo.
Ajudou também a dar
argumentos, perante a opinião pública mundial, para que os Estados Unidos mantivessem
um abjeto bloqueio econômico que impediu Cuba de se desenvolver desde a
Revolução de Fidel.
Essa propaganda serviu também
de apoio às inúmeras tentativas que os Estados Unidos fizeram de matar Fidel e
de tornar Cuba outra vez um quintal americano encostado em Miami — ou um
bordel, como era antes.
O que teria sido de Cuba sem
a impiedosa perseguição americana?
Os Estados Unidos
descobriram, nos anos 1950, a receita de golpes no exterior. Propaganda para
desestabilizar regimes, e depois a presença nas sombras da CIA.
A receita funcionou na
Guatemala e no Irã. Na Guatemala, o presidente progressista Jacobo Arbens foi
sabotado por ter desapropriado terras (não cultivadas) de uma empresa americana
que produzia bananas, a United Fruits. Arbens queria melhorar a vida de
camponeses miseráveis.
Os americanos o tacharam de
comunista por meio de aliados na mídia, financiaram um exército de mercenários
sob o comando de um general assassino exilado em Honduras e acabaram derrubando
Arbens.
Nasciam assim as Repúblicas
das Bananas.
Num documentário, lembro a
cena de Nixon, então vice-presidente, saudando diante das câmaras de televisão
o general. “Pela primeira vez na história, um povo derruba um governo
comunista”, disse Nixon.
O povo guatemalteco nada
tivera a ver com o golpe. Foi mais uma das múltiplas mentiras contadas por
Nixon em sua vitoriosa carreira.
Vale a pena uma pausa para
ver Nixon em ação, logo no início do documentário.
A mesma receita foi aplicada
no Irã do progressista Mossadegh, com os mesmos resultados. Num livro sobre o
golpe no Irã do renomado jornalista investigativo americano Stephen Kinzer, ele
ouviu um agente da CIA que, naqueles dias, era pago para escrever artigos
anti-Mossadegh que eram imediatamente publicados na imprensa iraniana conservadora.
Dois sucessos não levam
necessariamente a três.
Os americanos usaram a mesma
tática para derrubar Fidel, e sofreram uma avassaladora derrota no episódio que
passou para a história como a Invasão da Baía dos Porcos.
O povo cubano, mais que o
próprio regime de Fidel, rechaçou os americanos. Os cubanos foram mais firmes
que os guatemaltecos e os iranianos – provavelmente porque conhecessem muito
bem os reais interesses dos Estados Unidos por trás do discurso de campeões do
mundo livre.
Nos últimos anos, você recebe
tratamento heroico dos Estados Unidos se falar mal do islamismo, ainda mais se
for oriundo do universo muçulmano.
O melhor exemplo disso é a
somali Ayaan Hirsi Ali, que ganha a vida nos Estados Unidos dando pancadas no
Islã. Ayaan, antes de terminar nos Estados Unidos, viveu como refugiada na
Holanda. Lá, convenceu um descendente de Van Gogh a fazer um filme antiislâmico
e o resultado é que o pobre Van Gogh foi morto por um radical. Ficou pesado o
ar para ela na Holanda e então os Estados Unidos a receberam com tratamento
vip.
Yoani e Ayaan são casos
parecidos, filhas da mesma lógica.
O maior mérito de ambas é
falar o que os americanos querem que seja falado. São, para usar a expressão de
Boff, escaravelhas internacionais.
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