FONTE: Brasil de
Fato
Renato
Santana de Brasília
Fotos: Ruy Sposati
Os
145 indígenas dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, no Pará, ocuparam a sede
da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, na tarde desta
segunda-feira, 10. Os indígenas aguardavam a presidente interina do órgão
indigenista, Maria Augusta Assirati, para entregar documento com
reivindicações, solicitar hospedagem e a data em que seriam levados de volta
ao Pará. Porém, Maria Augusta não compareceu e por emissários avisou que
estava em outra reunião. Nesta terça-feira, 11, completa uma semana que o grupo
desocupou o principal canteiro de obras da UHE Belo Monte e veio ao Distrito
Federal.
“Desde
a manhã estamos esperando alguém da Funai para falar da nossa pauta, da
hospedagem. Ninguém apareceu até agora. Nós chamamos vocês para nossa
assembleia, que começou quando chegamos, e vocês não vieram. Então estamos
informando agora para vocês que nos estamos acampando aqui na Funai. Vamos
ocupar a Funai a partir de agora”, disse Josias Munduruku aos representantes
delegados pela interina da Funai.
O
grupo já demonstrava indignação com a postura do ministro-chefe da Secretaria
Geral da Presidência da República (SGPR), Gilberto Carvalho, que na manhã
desta segunda negou reunião com os indígenas. Ao invés do ministro, quem
recebeu os indígenas foram soldados do Exército e assessores. Pelo próprio
governo, os indígenas foram encaminhados para a Funai, onde seriam recebidos
pela presidente interina. Até o final da tarde de hoje, Maria Augusta não
apareceu.
“Disseram
(na SGPR) que receberiam uma comissão de dez, mas nós não nos separamos. O
governo não quer entender isso, respeitar nosso jeito. Sabem que não nos
separamos. Por essa postura, o ministro descumpre os acordos e assim fica
difícil conversar”, explica Jairo Saw, assessor do cacique-geral Munduruku.
Para as lideranças, os assessores de Carvalho disseram que ele só poderia
atendê-los até as 11h15. Em nota, a SGPR disse que as lideranças indígenas se
negaram a se reunir com Gilberto Carvalho.
“O
governo está dando as costas para nós. Não quer nos ouvir. Nós estamos
entendendo isso. Ele disse que vai fazer hidrelétricas de qualquer jeito, e
ele sabe que nós não queremos. Essa nota do governo nós lemos na reunião. Ele
disse que esperou a gente, disse que nos recusamos. É mentira! Foi ao
contrário. Nós fomos lá, nós que esperamos”, disse Josias Munduruku para os
emissários de Maria Augusta.
O
povo Munduruku interpelou judicialmente, no início deste mês, o ministro
Carvalho por outra nota da SGPR, onde acusa “autodenominadas” lideranças de
envolvimento com atividades ilícitas. Leia matéria na íntegra aqui.
Carta
protocolada; carta não recebida
Os
indígenas, mesmo sem serem recebidos, protocolaram na SGPR o documento que
entregariam ao ministro em mãos – leia a íntegra aqui. Na carta, os indígenas
relatam ponto a ponto as áreas afetadas pelo projeto hidrelétrico nos rios
Teles Pires e Tapajós – motivo pelo qual o grupo ocupou no mês de maio, por
17 dias em duas ocasiões, o principal canteiro das obras da UHE Belo Monte.
Um dos locais atingidos é a Cachoeira Sete Quedas, sagrado para os Munduruku,
Kayabi e Apiaká, que será inundada pela usina que está sendo construída no
Teles Pires.
“A
Cachoeira de Sete quedas (Paribixexe): É uma linda cachoeira contendo sete
quedas em formato de escada. É o lugar onde os mortos estão vivendo, o céu
dos mortos, ou seja, o mundo dos vivos, o reino dos mortos. É um local
sagrado para os Munduruku, Kayabi e Apiakás, aonde também os peixes se
procriam e diversas espécies e todos os tamanhos, onde existe a mãe dos
peixes. Nas paredes constam as pinturas rupestres deixados pelo Muraycoko
(pai da escrita), a escrita deixada para os Munduruku através das escritas
surabudodot, por muito tempo remoto (sic)”, diz trecho da carta.
Para
Valdenir Munduruku, o ministro Carvalho demonstra com as atitudes apresentadas
a forma de diálogo que pretende manter: “Aqui, a casa deles, nos recebem com
o Exército e a polícia e não nos deixam entrar. Em nossa casa, mandam o
Exército e a polícia para poderem entrar. Isso não é diálogo. É como se nós
fôssemos inimigos”. Josias Munduruku lembra que na reunião da última
terça-feira, 4, o ministro disse que as hidrelétricas vão sair, pois se trata
de uma decisão de governo: “Me pergunto: que consulta é essa que eles querem
fazer? Não é consulta quando eles (governo) tomam uma decisão sem volta. O
que poderá sair de consulta assim?”, questiona.
Por
enquanto, não há previsão de retorno dos indígenas para o Pará e de
desocupação do órgão indigenista estatal. Tampouco a hospedagem ficou
definida, mas, pelo visto, depois do anúncio da ocupação à sede da Funai, os
indígenas já arrumaram um lugar para ficar - ao menos por essa noite.
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terça-feira, 11 de junho de 2013
Indígenas contra hidrelétricas na Amazônia ocupam sede da Funai, em Brasília
quarta-feira, 5 de junho de 2013
Índios afetados por hidrelétricas: três processos judiciais, nenhuma consulta
Consulta prévia aos indígenas é
assunto de reunião hoje em Brasília entre o governo federal e os índios que
paralisaram a obra de Belo Monte nos últimos oito dias
Fonte:
MPF-PA
Data:
04/06/2013 às 15h32
Os indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma definida pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por esse motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.
Nas ações, o MPF defende o direito de consulta dos povos indígenas Arara, Juruna, Munduruku e também para os ribeirinhos dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Uma quarta ação está em estudo, em defesa do direito dos Kayabi, afetados pela usina de São Manoel e nunca consultados. O licenciamento da usina está em andamento, mas chegou a ser paralisado por não prever sequer estudos de impactos ambiental sobre os indígenas.
Os índios que ocupavam um dos canteiros de obras da usina de Belo Monte estão em Brasília hoje debatendo a reivindicação da consulta em uma reunião com o governo federal. A Vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acompanha a reunião, assim como a presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Carmen Rial.
Suspensões de segurança
Em todos os processos que move sobre a consulta, o MPF obteve vitórias em favor dos indígenas, mas o governo recorreu e toca os projetos com base em liminares e suspensões de segurança – instrumento em que o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois.
Sobre o histórico de suspensões de decisões nos processos de usinas, os desembargadores da 5ª Turma do TRF1, que julgou os casos de Belo Monte e Teles Pires, lembraram que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, disseram em um acórdão.
Conflitos
Nos três rios que são objeto das ações do MPF pela consulta, o governo brasileiro tem projetos de pelo menos 11 hidrelétricas em estágios variados de construção e licenciamento. Belo Monte, o caso mais emblemático, já acumula mais de 17 processos na Justiça Federal e incontáveis conflitos com índios e trabalhadores. Foi palco de várias ocupações por indígenas, as últimas reivindicando claramente o direito da consulta prévia.
A maior parte dos indígenas que ocuparam Belo Monte por 17 dias somente no último mês de maio vivem no rio Tapajós, afetados pelas usinas de São Luiz do Tapajós, São Manoel e Teles Pires. São Luiz do Tapajós é um dos grandes focos de conflito, mas não é o único. A usina Teles Pires, já em estágio de construção, explodiu cachoeiras consideradas território sagrado para os índios Munduruku. Eles nunca foram consultados e por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília ordenou a paralisação da obra em agosto do ano passado. Mas a decisão dos três desembargadores que analisaram o processo foi suspensa por uma decisão monocrática do presidente do Tribunal, Mário César Ribeiro. O processo continua tramitando.
No caso de São Luiz do Tapajós, todas as instâncias judiciais reconheceram o direito à Consulta não só para os índios, como para os ribeirinhos, que no rio Tapajós são conhecidos como beiradeiros. Em vez de fazer as consultas, no entanto, o governo recorreu na Justiça e montou uma operação da Força Nacional para garantir os estudos de impacto dentro dos territórios indígenas, o que é um dos principais motivos para a revolta dos Munduruku. Novamente, a Advocacia Geral da União conseguiu suspender as decisões favoráveis aos índios, dessa vez por meio de uma decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer.
O primeiro caso do MPF sobre a consulta, iniciado em 2006, diz respeito aos indígenas do Xingu, impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. A batalha judicial já completou sete anos. No começo do processo, os advogados do governo alegavam que as consultas poderiam se dar em qualquer etapa do licenciamento ambiental, que os estudos poderiam prosseguir, que as licenças poderiam ser concedidas e depois a consulta seria feita.
No meio do processo, o governo federal mudou sua argumentação e passou a dizer que os indígenas do Xingu nem precisariam ser consultados, porque a hidrelétrica não alagará terras indígenas. O TRF1 desconsiderou o argumento, já que a obrigação prevista na Convenção 169 é para consultar povos afetados e que terão seus modos de vida modificados, não necessariamente alagados. No caso do Xingu, o rio será desviado para abastecer a usina: em vez de alagar, as terras indígenas vão secar, o que pode ser impacto ainda mais grave.
A decisão favorável aos indígenas no caso de Belo Monte, que paralisou a usina por dez dias em agosto de 2012, também foi suspensa por uma decisão monocrática, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Até agora, o plenário do STF não analisou a questão.
O momento da consulta
Entre as suspensões de segurança concedidas ao governo federal por Félix Fischer, Ayres Britto e Mário César Ribeiro existe uma coincidência: nenhuma delas afirma que que a consulta não é necessária ou não precisa ser feita, apenas permitem que o governo siga com estudos, cronogramas e obras até que chegue a hora de se julgar o direito da consulta. Para o MPF, o momento da consulta afeta decisivamente a efetividade desse direito.
De acordo com a Convenção 169, a consulta é necessária em qualquer projeto ou decisão de governo que vá afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Para o MPF, deve ser aplicada a várias populações amazônicas, não apenas indígenas. E deve ser feita antes de qualquer decisão sobre o projeto.
Atualmente, o governo tenta convencer os indígenas do Tapajós e o judiciário que a consulta pode ser feita depois dos Estudos de Impacto Ambiental. Em argumentações nos processos judiciais, a AGU contraditoriamente afirma que quer fazer a consulta, batizada de Diálogo Tapajós, mas que não pode deixar de cumprir o cronograma de implantação da usina – do qual os estudos de impacto são etapa inicial. Para a AGU, para ser prévia, basta que a consulta seja feita antes da Licença Prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
Para o MPF, isso equivale a tornar a consulta inválida, porque a decisão de construir a usina foi tomada muito antes do Ibama entrar no processo, quando concluído o inventário da bacia hidrográfica e definidos os pontos para construção de hidrelétricas. “Se a obra já tem até cronograma, como falar em consulta?”, questiona o procurador da República Felício Pontes Jr, que acompanha os processos sobre o assunto.
Após o inventário da bacia hidrográfica existem dois momentos em que o governo, em conjunto com empresários da construção civil e do setor elétrico, decide realmente pela construção da usina, sem a participação dos povos afetados. São as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética e da Agencia Nacional de Energia Elétrica que definem que a obra será realizada. “Esses momentos tem que ser precedidos de consulta aos povos afetados, ou então o Brasil estará violando o compromisso assumido na Convenção 169”, explica o procurador Ubiratan Cazetta.
Processo sobre a consulta da usina Teles Pires: 0018341-89.2012.4.01.0000
Acompanhamento Processual: http://www.trf1.jus.br/
Processo sobre a consulta da usina São Luiz do Tapajós: 0003883-98.2012.4.01.3902
Acompanhamento processual: http://processual.trf1.jus.br/
Processo sobre a consulta da usina Belo Monte: 200639030007118
Acompanhamento Processual: http://www.trf1.jus.br/
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